Zico, o maior ídolo do Flamengo, não resistiu. Júnior, o
jogador que mais vezes vestiu a camisa rubro-negra, com 876 partidas, tampouco.
E foi assim com tantos outros. Craques, nomes consagrados que elevaram o clube
enquanto estiveram em campo, mas quando chamados para o trabalho dentro dos
muros da Gávea como dirigentes ou treinadores caíram na fervura do caldeirão
rubro-negro e sofreram queimaduras. O caso mais recente tem Jayme de Almeida
como figura central e encorpa a série de episódios que fazem dessa relação uma
sina.
Sorrisos
ficam no passado: Zico e Jayme em encontro descontraído no Ninho.
Galinho reprova a conduta da diretoria na demissão do treinador (Foto:
Alexandre Cassiano / Agência O Globo) |
Demitido na última segunda-feira via imprensa, Jayme se viu
na pele de Andrade. Quatro anos antes, era o Tromba quem remoía uma dispensa
pouco tempo depois de uma conquista nacional. No caso, o Brasileiro de 2009.
Jayme ganhou a Copa do Brasil do ano passado e o Carioca de 2014. Mas pesaram
contra ele a eliminação na primeira fase da Libertadores e um início ruim no
Brasileirão. Sai magoado. Ney Franco, que será apresentado nesta quarta-feira,
assume.
O roteiro quase sempre é o mesmo: da chegada com festa e respaldo
pela história no clube à saída com crise e rancor. Os casos de Zico e Júnior
são os mais emblemáticos. O Maestro foi treinador do Flamengo em dois momentos.
Entre 93 e 94, logo depois de encerrar a carreira, e em 97, quando substituiu
Joel Santana. As passagens foram discretas. Em 2004, assumiu a função de
gerente de futebol na gestão do então presidente Márcio Braga. A experiência
foi frustrada. Por discordâncias com dirigentes, o ídolo abandonou o cargo na
Fla-Futebol, órgão criado na ocasião para profissionalizar o departamento.
- Cada caso é um caso. No meu caso, as pessoas não queriam
o que a gente fazia, que limitaria os dirigentes não profissionais, e
começaram a jogar contra, mas contra mesmo. De torcer para cair para Segunda
Divisão, como cheguei a ver gente que falava isso. As pessoas jamais pensam na
instituição. No nosso caso, e nosso digo o meu, Zico, Andrade, Jayme, nós temos
sentimento, amor pela instituição, passamos mais de 20 anos da nossa vida ali,
sabemos a dimensão que o clube tem. Não é só questão financeira. Muitos chegam,
ficam dois, três meses meses, saem e não estão nem aí. A gente tem envolvimento
de família, é muito maior do que as pessoas acham ou pensam. Se fizeram o que
fizeram com o Zico, acho que qualquer um que estiver ali sendo ou não ex-jogador,
por serviços prestados, pode passar por essa – disse Júnior, que hoje é
comentarista da TV Globo.
Zico aceitou trabalho semelhante ao do amigo em 2010, mas deixou
o clube pela porta dos fundos e em crise com a presidente Patricia Amorim. O
Galinho sofreu imensa pressão com questionamentos ao seu trabalho como diretor
executivo de futebol. Alvo de inquérito por denúncias de irregularidades na
assinatura do contrato do Flamengo com o CFZ que estabelecia série de parcerias,
o eterno camisa 10 entrou em choque com a gestão e teve Leonardo Ribeiro,
Capitão Léo, presidente do Conselho Fiscal na época, como principal opositor.
Zico também trocou farpas com Vanderlei Luxemburgo, que comandava o time.
Tempos depois, no fim de 2012, seu apoio seria o principal
pilar da campanha vitoriosa de Eduardo Bandeira de Mello nas eleições. A relação,
no entanto, não evita as críticas do Galinho à diretoria. O maior ídolo da
história do Rubro-Negro disse que o vazamento da queda de Jayme antes mesmo da
confirmação oficial do clube foi um dos fatores que mais o incomodaram. O
ex-camisa 10 também apontou falhas no planejamento do futebol do clube.
Assim como Zico, Júnior apoiou a campanha da Chapa Azul, mas
reprovou a condução da saída de Jayme.
- Não esperava dessas pessoas que estão lá, que se mostraram
educadas, com cabeça diferente de outros dirigentes, ter uma posição como essa.
O cara pode não entender de futebol, mas de relação humana entende muito menos.
O tratamento dado ao Jayme tem muita semelhança com o que foi dado ao Andrade.
Eles (dirigentes) que deveriam falar. Dizem que ex-jogador não está preparado,
como se todo mundo fosse catedrático, e o clube continua com os mesmos
problemas há muitos anos.
Auxiliar de Jayme de Almeida desde setembro do ano passado, Cantarele
também foi demitido. O ex-goleiro é mais que diz não entende como nem mesmo a
geração mais vitória da história do clube consegue ter suporte e estabilidade
para desenvolver projetos como treinadores ou dirigentes.
- Eu já parei para pensar um monte de vezes nisso. É um
pouco de cada coisa. Esperam um retorno muito rápido, às vezes leva tempo. Isso
não acontece na Europa. O ídolo é preservado de uma forma ou de outra. Aqui
fica muito exposto. Não é em relação ao meu caso, mas de uma forma geral. Eu
ainda não achei uma razão, não sei o motivo. Penso muito, analiso. Aquela vez do
Zico fiquei perplexo, assustado, da forma como aconteceu.
Sucessores da geração
de ouro seguem caminho semelhante
Zinho entrou em rota de colisão com R10 no Flamengo (Foto: Alexandre Vidal / Flaimagem) |
E não é só a geração mais brilhante do Flamengo que sofre
com gestões complexas no clube. O ex-meia Zinho e o ex-lateral Jorginho, que
passaram a jogar no time profissional rubro-negro a partir da metade da década
de 80, também viveram experiências difíceis no clube.
No último ano da gestão de Patricia Amorim, Zinho assumiu o
cargo de diretor de futebol e não teve vida fácil. Coube a ele tentar
administrar as indisciplinas de Ronaldinho Gaúcho, que deixou o clube via ação
judicial. O tetracampeão também esbarrou em dificuldades financeiras e viu
dirigentes tentarem contratar jogadores sem que fosse consultado. Zinho também
apostou na tentativa de recuperar o atacante Adriano, mas jogou sozinho. O
Imperador não abraçou a ideia. Com a chegada de Eduardo Bandeira de Mello, o
ex-meia deixou o clube e não aceitou o convite para ser gerente de futebol
subordinado do diretor Paulo Pelaipe, demitido na última segunda-feira.
Aposta, Jorginho ficou pouco tempo no cargo (Foto: Cezar Loureiro / Agência O Globo) |
Jorginho foi o primeiro técnico da gestão de Bandeira de
Mello, mas quase não durou no cargo. Ganhou a chance de treinar o Flamengo por
ser uma alternativa mais barata. O fato de ser ex-jogador do clube pesou a
favor dele, mas os resultados ruins logo resultaram em demissão.
Na avaliação de Júnior, a série de episódios só afasta
aqueles que têm interesse na recuperação e no crescimento do clube.
- Certamente. Cada episódio desse diminui alguma
coisa. Ninguém quer passar por isso. O que o Jayme sofreu não é simplesmente
uma demissão. É um negócio muito maior do que isso. O dia todo foi humilhado,
sacaneado. O torcedor do Flamengo está com ele, mas os torcedores de outros
clubes colocam pilha. A mulher lê, o filho lê, o neto lê. Não é legal para
nenhum profissional. Não é porque é com um amigo nosso de mais de 40 anos. É o
tratamento como pessoa. É bastante complicado. Acho que tem gente por trás
disso, atitudes como essa são de pessoas que vivem no futebol. Sabem que com
duas vitórias pode ficar banal e cair no esquecimento. Não é o pensamento que
conheci de Eduardo Bandeira e do Wallim Vasconcellos, que tive mais contato e
conversa. Não me parecem gente de agir dessa forma. É gente que naturalmente
influenciou eles ou outras pessoas para tomar uma decisão dessas. Seria muito
simples ligar e dizer que mudaria. Isso faz parte. A gente vê toda hora. Isso
faz com que esfrie bastante a relação entre a instituição e a rapaziada que
trabalhou (ex-jogadores). Penso que a instituição está acima de qualquer um,
sobretudo daqueles que passaram pouco tempo e fizeram pouco pelo clube - frisou o Maestro.
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