Por Thierry GozzerDireto de Nis, Sérvia
Nascido em Majdanpek, antiga Iugoslávia e hoje uma cidade sérvia, Dejan Petkovic,
ídolo do Flamengo e herói no seu país natal, tem laços estreitos não só
com Nis, sede do Grupo B do Mundial, mas também com o handebol. Foi lá
que o então menino, aos 14 anos, ganhou o apelido de Rambo, que o segue
até hoje, e se profissionalizou no futebol, atuando pela primeira vez
com 16 anos e 15 dias, pelo time local, o Radnic Nis. Apaixonado por
esporte, Petkovic começou os estudos na pequena Majdanpek, de onde vem a
ligação com o handebol. Lá, garante, era um craque em todos os esportes
que praticava na escola, entre eles a modalidade, jogando como armador
esquerdo ou central.
Time do Radnic Nis, com Rajkovic como técnico (o primeiro em pé da esquerda para direita) e Petkovic de braços cruzados ao centro, o quarto em pé da esquerda para direita (Foto: Thierry Gozzer) |
-
Eu jogava todos os esportes na adolescência. Durante o primeiro grau
aqui, todas as escolas tinham handebol, basquete, futebol, tiro ao alvo.
E
eu era superior em todos os esportes. No handebol eu era o mais forte e
com mais impulsão que os demais, mesmo não tendo tanta estatura. Era o
cara que armava o jogo e fazia
os arremessos, os gols. Também jogava basquete, conseguia segurar a bola
com apenas uma mão. Depois que comecei no futebol profissional, e eu
comecei muito cedo, acaba que você foca apenas em um esporte - explicou
Petkovic.
Para o jogo entre Brasil e Sérvia, na terça-feira,
pelo Mundial de handebol, o ex-jogador não esconde sua torcida. Apesar
de amar o país que o recebeu de braços abertos, "Deki", diminutivo de
Dejan e apelido do jogador por aqui, vai torcer para o time da casa.
- Claro que vou torcer para a Sérvia. E também torço para o Brasil, mas
não contra a Sérvia. Desejo todo o sucesso para a seleção brasileira,
torço por elas, mas é claro que vou torcer para o meu país.
Começo em uma peneira
Petkovic ao lado de Rajkovic, seu primeiro técnico (Foto: Thierry Gozzer) |
Pet
nasceu em Majdanpek, onde jogou de forma amadora por um pequeno time da
cidade, o FK Madjanpek, mas tem ligação intensa com Nis, terra natal de
seu pai, Dobrivoje Petkovic, que também foi jogador de futebol. Foi em
Nis que Ljubisa Rajkovic, ex-jogador da seleção Iugoslávia e do Radnic
Nis, o viu atuar e se encantou com aquele menino de 14 anos. Responsável
por uma peneira para jovens de times do leste da Sérvia, Rajkovic
detectou grande talento em Pet.
- Eu o conheci em 1987, houve
uma seleção para jogadores jovens de pequenos times da Sérvia. Eu era um
dos selecionadores, lá vi o Pet jogando por uma equipe da cidade dele.
Depois dessa peneira, o convidei para visitar o Radnic Nis, junto dos
juvenis, para jogar um torneio de todos os juvenis da primeira divisão
do país. Guardo até hoje a ficha do primeiro jogo. Eu era o treinador, e
o Petkovic foi como convidado. Nesse torneio, ele ganhou o apelido de
Rambo, de um torcedor que o viu jogar nas tribunas e gritou: "Ele é como
o Rambo". Vi que o talento dele era diferenciado - lembra o comandante,
hoje um senhor de 63 anos.
A história, porém, não começou com
Pet como titular. Ele foi chamado de última hora, já que seu nome não
estava na lista do torneio de jovens do leste da Sérvia. Quando entrou,
tratou de mostrar suas qualidades rapidamente. Fez três gols e ajudou o
time a virar.
- Ele não estava na lista do time, mas outro
treinador ligou dizendo que traria um menino para eu olhar. Eu fiz um
favor, mas disse que como ele não estava na lista, iria jogar apenas no
segundo tempo. Nem sabia quem era. E perdemos por 4 a 1 o primeiro
tempo. O Pet entrou no segundo tempo, logo driblou todo mundo e fez um
gol. Depois fez mais dois e empatou o jogo. E depois ainda viramos a
partida. Não sabia que esse menino jogava tanto - brincou Rajkovic.
Petkovic ao lado de Rajkovic e o melhor amigo de Pet, Stojilijkovic (Foto: Thierry Gozzer) |
A
atuação na segunda etapa foi o suficiente para Pet ganhar um lugar
entre os jovens do Radnic Nis. E Rajkovic tinha certeza que em suas mãos
estava um futuro craque.
- Depois do torneio, insisti para
trazê-lo. O Pet veio com 14 anos e logo foi para os juniores. Ele tinha
características de quem está começando como jogador. Altos e baixos,
qualidades, mas também mudanças no crescimento e comportamento bom ou
ruim dentro e fora de campo. Eu, como treinador, tinha problemas com
outros colegas, que diziam que o esporte era coletivo, e que eu conduzi a
situação muito individualmente com Petkovic dentro de campo. Que ele
pegava na bola e resolvia o jogo, mais pediam mais coletividade. Mas
precisava valorizar quem resolve. Ele era mais rápido, veloz, pensava
com profundidade. E os outros não acompanhavam. O que podia fazer?
Procurei tentar trazer uma perfeição para isso, dar liberdade para ele
resolver o jogo, numa medida boa, sem exagerar. Esse era o segredo -
disse.
Na primeira ficha de Pet no Radnic, nome de seu pai foi escrito no do seu lugar (Foto: Thierry Gozzer) |
Assim,
Pet foi para Nis, e aos poucos ganhou a cidade. Em uma partida dos
juniores, despretensiosa, outra figura importante surgiu. Um árbitro,
dos mais famosos da primeira divisão, apitou o jogo. E fez para Rajkovic
uma pergunta que mudou a vida de Petkovic.
- Em um jogo dos
juniores do Radnic Nis, o melhor juiz profissional da antiga Iugoslávia
apitou e depois da partida me disse: "Vocês são cegos? Esse menino é
melhor do que qualquer jogador profissional do time de vocês que eu
apito os jogos. E como ele não está lá?". Então fui conversar com o
técnico do profissional, e depois de muito sacrifício o Pet foi
convocado para o jogo do final de semana e atuou por 20 minutos no
segundo tempo, com 16 anos e 15 dias, sendo o jogador mais jovem a jogar
profissionalmente em toda a Iugoslávia. Vencemos por 4 a 0
o Željezničar Sarajevo - contou Rajkovic.
declaração infeliz de rajkovic
Ljubisa Rajkovic segura foto sua com Pelé (Foto: Thierry Gozzer) |
Antes
mesmo de ir para o Estrela Vermelha, aos 19 anos, e depois passar por
Real Madrid e virar ídolo do Flamengo, Petkovic já causava espanto na
Sérvia. Para Ljubisa Rajkovic, porém, uma declaração, que ele considera
infeliz, pode ter prejudicado para sempre a carreira de Petkovic dentro
da seleção da Iugoslávia e mais tarde na Sérvia.
- Quando a
carreira profissional dele começou, dei uma declaração dizendo que ele
seria melhor que o Dragan Stojkovic (considerado por muitos o maior
jogador da história da Iugoslávia e da Sérvia), que era o capitão da
seleção na época. Com essa declaração, fiz um favor errado para ele. Era
a construção da seleção da Iugoslávia depois do embargo ao país, que
fez com que a seleção não pudesse jogar e inclusive nos tirou da
Eurocopa (em 1992, quando Pet tinha 19 anos e estava convocado para a
competição. No lugar, entrou a Dinamarca, que não estava classificada e
acabou campeã). E então disseram: "Como assim, ele vai ser melhor que o
melhor?" E então não o deixaram ter uma carreira pela seleção, já que o
Dragan era o capitão e depois foi o presidente da Federação entre 2002 e
2006 - explicou o primeiro treinador de Pet.
Rajkovic enfrentou o Santos de Pelé pelo Radnic Nis (Foto: Thierry Gozzer)
Em
1994, Petkovic ganhou mais uma chance. Foi convocado para a seleção da
Iugoslávia. Enfrentaria o Brasil em Porto Alegre, no dia 23 de dezembro,
com vitória brasileira por 2 a 0, e depois a Argentina em Buenos Aires.
No segundo duelo, discutiu com Slobodan Santrac após aquecer por mais
de 40 minutos e sentar no banco de reservas de novo. Ao ser chamado pelo
técnico, aos 43 do segundo tempo, foi visto sentado e não se aquecendo.
Outro jogador entrou. Dali em diante, ficou fora e não foi chamado para
a Copa do Mundo de 1998.
- Eu saí do clube e fui trabalhar na
Federação. Fazia como o Parreira hoje com o Felipão. Ajudando na
comissão técnica. Fomos jogar amistosos em 1994, com Brasil e Argentina,
depois do embargo ao país (econômico e esportivo, de 1991 a 1994, por
conta da Guerra Civil Iugoslava). Pet foi convocado, e no primeiro jogo
contra o Brasil ficou no banco, mesmo sendo o melhor jogador que atuava
no país. No segundo tempo, seis entraram, e o Petkovic não. Falei com o
técnico Slobodan Santrac. E ele me disse que o Pet seria titular contra a
Argentina. Ele não foi. O Slobodan o chamou para aquecer no finzinho do
primeiro tempo, e o Pet não entrou no intervalo. Depois, ainda aqueceu o
segundo tempo todo, e faltando um minuto o chamou para entrar. E o Pet,
nessa hora, já estava sentado no banco. Foi toda aquela confusão.
Depois disso, tínhamos um voo fretado, e no aeroporto todos ficaram
sabendo da discussão. O Slobodan chamou a imprensa e criticou o
Petkovic. E me disse que o Pet era louco, que não era normal. Eu disse
que, se fosse o Pet, daria um chute no traseiro dele. E depois disso ele
não foi chamado, e o Petkovic foi para o Real Madrid. A partir desse
dia, o Pet não entrou mais no time. O Pet tinha dois problemas. Com o
treinador e com o capitão. Por isso teve pouquíssimos jogos na
Iugoslávia e depois não jogou na Sérvia - relatou Rajkovic.
radnic hoje está na primeira divisão
Miodrag viu Petkovic começar e hoje trabalha na obra do novo estádio (Foto: Thierry Gozzer) |
Responsável
por profissionalizar Petkovic, o Radnic Nis joga no Estádio Cair, mesmo
nome da arena onde são disputados os jogos do Mundial de handebol. A
casa está em reforma, orçada no valor de U$ 12 milhões (quase R$ 40
milhões). Com a situação financeira do país não tão boa, as obras andam
em ritmo lento, e o estádio onde Pet deu os primeiros passos como
profissional deve ficar pronto somente no fim de 2014, caso tudo caminhe
perfeitamente. Na antiga arquibancada, ainda preservada, estão o nome
da equipe e seu brasão. Na obra trabalha o senhor Miodrag Krstic, de 60
anos. Ele viu Pet em campo nos primeiros anos de carreira. E se lembra
muito bem.
- Ele era muito habilidoso, valente. Jogava para
cima dos rivais. Foi um grande jogador no Radnic, apesar de ser jovem.
Só o conheço como Rambo. Ele rapidamente ganhou esse apelido, que ficou
de vez por toda a carreira. Para nós da cidade é um orgulho ver onde o
Pet chegou tendo começado aqui - lembrou Miodrag.
Estádio Cair, onde Petkovic começou a virar 'Rambo' (Foto: Editoria de Arte)
Em
campo, o Radnic vive um bom momento. Depois de chegar a cair para a
terceira divisão do futebol sérvio, o time está de volta à elite e
atualmente é o terceiro colocado do campeonato nacional. Boban
Stankovic, diretor executivo do clube, lembra as histórias de Pet pelo
clube, apesar de ter chegado anos depois da saída dele.
- Ele é
um dos melhores que já surgiram aqui. Muito talentoso. E até hoje é um
dos mais lembrados na cidade e no clube. Sempre que procurado, o
Petkovic se coloca à disposição para ajudar. Ele não tem nenhuma
obrigação conosco, mas sempre está atencioso e disponível. Para nós é
muito importante ele ter surgido aqui. Eleva o nome do clube
nacionalmente e internacionalmente. É um privilégio - afirmou Boban.
A
seleção brasileira está invicta no Grupo B do Mundial e volta à quadra
nesta sexta-feira, contra a Dinamarca, após folgar nesta quinta. A
campanha verde e amarela começou com uma vitória sobre a Argélia (36 a 20) na estreia. Na sequência, venceu a China (34 a 21), a anfitriã Sérvia (25 a 23) e o Japão (24 a 20). Brasil x Dinamarca acontece às 17h15m (de Brasília).
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