sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Angelim: o adeus emocionado de Ronaldo, o herói da simplicidade

Por Janir Júnior e Richard Souza Rio de Janeiro
 
O Maracanã em ruínas (está em obras para a Copa) não foi capaz de destruir uma história que teve seu capítulo principal em 6 de dezembro de 2009. Naquele dia, o jogador que quando criança mergulhava em um poço de Juazeiro, no Ceará, para buscar água, bebeu da fonte de ser um herói. Autor do gol do hexacampeonato brasileiro do Flamengo, Ronaldo Angelim, hoje com 36 anos, voltou ao palco que o consagrou. A convite do GLOBOESPORTE.COM, o zagueiro esteve no estádio nesta quarta-feira. Angelim trocou as chuteiras por botas e um capacete. Na cabeça, passou um filme que vale a pena ver de novo. De saída do Rubro-Negro depois de seis anos de amor e serviços prestados, o camisa 4 não conteve as lágrimas. Chorou. Questionado se não levaria uma recordação, disse:
- Estou levando comigo. Está aqui (apontou para a cabeça).
Montagem Ronaldo Angelim (Foto: André Durão/Globoesporte.com)
Angelim se emociona ao visitar o Maracanã e recordar o gol do hexa (Foto: André Durão/Globoesporte.com)
 Foi pela cabeça de Angelim que o Flamengo marcou o gol da vitória por 2 a 1 sobre o Grêmio que garantiu o título brasileiro de 2009. E é no coração de Angelim que está guardado o amor e devoção pelo clube que o elevou à condição de ídolo.
Na visita ao Maracanã, Angelim recordou o jogo inesquecível. Parou. Olhou para frente. E se emocionou.
- Não tenho dúvidas de que aquele foi o jogo mais emocionante da minha carreira. E agora estou aqui... Emociona porque o gol foi importante e tirou o Flamengo da fila depois de 17 anos. E por eu ser flamenguista também, né? Todos esperavam que Adriano, Pet e Zé Roberto, nossos homens de frente, decidissem. Acabou que fui eu – recordou Angelim, sem conter as lágrimas.
Humilde ao extremo, Angelim abraçou operários da obra do Maracanã. Deu autógrafos. Ficou meio perdido em meio aos montes de terras e entulhos. Disse que por ele seguiria no Flamengo até morrer. Não foi possível.
Depois da entrevista, o zagueiro revelou estar morto de sono. O motivo:
- O churrasco estava bom demais. Fiquei até de madrugada na pelada dos porteiros na Praia de Copacabana.
Angelim é simples assim. Em 2009, depois de virar herói, esperou uma carona na Gávea na rua escura próxima à sede. Enquanto Ronaldinho Gaúcho filosofa que “Flamengo é Flamengo”, o zagueiro vai além: sua única vaidade é ser Flamengo.
Na brincadeira da torcida em alusão aos Ronaldos famosos, uma frase foi lançada: “There’s only one Ronaldo: Angelim”. No português claro, quer dizer: Existe apenas um Ronaldo: Angelim. Ronaldos existem outros muito mais famosos. O Fenômeno, o português Cristiano e o Gaúcho. Mas como Angelim só existe um.
- Em outros clubes, cheguei a reclamar da reserva, no Flamengo nunca fiz isso. Poderia me colocar lá na arquibancada que estaria torcendo do mesmo jeito.
A entrevista:
GLOBOESPORTE.COM: Sua passagem pelo Flamengo termina do jeito que você imaginava?
RONALDO ANGELIM: Foi muito bom tudo que vivi aqui. Queria encerrar minha carreira no Flamengo, mas não deu. Mesmo assim, estou feliz com o trabalho que desempenhei. Quero agradecer a todos que me apoiaram.
Como foram seus últimos dias de Flamengo depois de seis anos?
A equipe estava focada no Vasco, então não deu nem para ter uma despedida. Mas fui ao estádio assistir ao jogo, passei no vestiário, me despedi. Tenho amizade com todo mundo. Com David Braz teve uma brincadeira à parte, pois sempre estivemos muito próximos. Quando chegou mais perto do último jogo, foi mais difícil, mas eu já sabia que sairia. Tinha conversado com o Vanderlei, meu contrato terminaria no meio de 2011, mas foi renovado até dezembro. Quando chegou mais perto bateu aquela saudade, os amigos que você deixa aqui, enfim, tudo, já estava bem adaptado ao Rio... Bate aquele aperto, mas isso é normal.
O que mudou do Ronaldo de seis anos atrás, quando chegou ao Flamengo, para agora?

Ronaldo Angelim visita obras do Maracanã (Foto: André Durão / GLOBOESPORTE.COM)
Autógrafo de Angelim no capacete de operário
(Foto: André Durão / GLOBOESPORTE.COM)

Mudou muita coisa. Primeiro, porque joguei no meu clube de coração. Segundo, porque dei o meu melhor. Estou saindo outra pessoa, com certeza. Acho que vou deixar saudade para algumas pessoas, para outras, não, pois você nem sempre consegue agradar a todos. Mas podem ter certeza que vou embora como uma pessoa realizada.
Em 2009, você estava no Maracanã de chuteiras, fez o histórico gol de cabeça... Hoje está de botas, capacete... Como foi a experiência de voltar ao estádio?
Gostei de ver o Maracanã sendo reformado, sempre vai ficar uma lembrança. Capacete e bota já sou acostumado a usar desde quando trabalhava no duro. Isso para mim não foi novidade. Levo uma grande lembrança daqui.
Alguma sensação diferente ao voltar ao palco onde você foi herói?
Acabou o Maraca (reação de Angelim assim que chegou ao Maracanã). Não fazia ideia de que estava assim. Não dá nem para saber onde foi o gol.
Quais são suas lembranças daquele gol histórico?
Assisto ao gol quase toda hora. É o mais importante da minha carreira. Tenho certeza de que não farei outro igual.
Ronaldo Angelim, no Flamengo 2009 (Foto: Reuters)
Ronaldo Angelim dispara segundos após marcar o gol mais importante de sua carreira (Foto: Reuters)
Nesse retorno ao Maracanã, você lembra daquele dia?
Sempre passa um filme na cabeça, a arquibancada lotada. Com essa reforma, fiquei um pouco perdido, o que é normal. Depois me achei e vi o local que fiz o gol. Foi uma coisa diferente, estive perto do local onde fiz o gol mais importante da minha carreira, não tem como não me emocionar. É minha despedida do Maracanã, vai ser difícil jogar de novo aqui, pela minha idade e o tempo que falta para acabar a obra.
Naquela noite de 6 de dezembro de 2009, pouco depois do título, você foi visto sozinho, perto da sede da Gávea, à espera de uma carona...
Isso mostra o meu jeito de ser, não vou mudar. Depois da final, fui no ônibus do Flamengo até a Gávea para pegar uma carona, pois ficava mais perto de casa (o zagueiro mora em Copacabana). Não tinha noção, até me alertaram que eu corria um risco de estar ali, mas na hora nem pensei, estava na maior naturalidade possível. Vários torcedores passavam e gritavam. Foi engraçado que eu estava lá parado, passou um carro de reportagem (da TV GLOBO) e facilitei mais ainda o trabalho deles.
Depois da conquista do hexa, uma frase sua ficou marcada: “Minha maior vaidade é ver o Flamengo vencer”. Isso traduz seu sentimento pelo clube?
Verdade, nunca escondi que sou Flamengo de coração. Então, minha única vaidade é ver o Flamengo vencer. Em outros clubes, cheguei a reclamar da reserva, aqui nunca fiz isso. Poderia me colocar lá na arquibancada que estaria torcendo do mesmo jeito, tranquilo, porque a única vaidade é querer o melhor para o Flamengo.
Os torcedores têm muito carinho por você. Além do gol do título em 2009, você conquistou a Copa do Brasil, estaduais, mas teria outra explicação para essa relação?
Acho que pelo meu jeito simples de ser, mas também tem que fazer sua parte dentro de campo, pois existe muita cobrança. Mas o torcedor se identifica com meu jeito simples e queira ou não isso ajuda um pouco. Essa é minha forma de ser.
O que você deixa como legado para o Flamengo, qual o seu orgulho?
Jogar seis anos no clube e não ter um inimigo. Acho que todo mundo gosta de mim, tenho a amizade de todos, é bom saber que você é querido. Isso dificilmente acontece com outros jogadores. No Flamengo, estou em casa.
Tem algo em especial, alguém que foi muito importante para você nesses seis anos de clube?
Ter trabalhado com o Zico, achei que nunca ia vê-lo, isso me deixou bem surpreso. Nunca esperava trabalhar com ele, não posso falar em que situação, mas ele sabe que foi importante para mim, estava passando por um momento difícil, ele me ajudou muito. O companheiro com quem desempenhei meu melhor futebol foi o Fábio Luciano. Mas também fiz uma boa parceria com David Braz, Welinton e Álvaro, com quem conquistei o título de 2009. O Joel foi o técnico que mais me identifiquei. Mas não posso esquecer do Valdir Espinosa, que me trouxe, me passou confiança.
Você pensa um dia voltar, trabalhar no Flamengo em outra função?
Quem sabe, se aparecer oportunidade, será sempre um prazer. Se fosse pela minha vontade nem saía, já ficava aqui direto até morrer, mas acontece. Aceitaria qualquer convite com orgulho.
E a festa de despedida que o clube quer fazer para você em janeiro?
Conversei com a Patricia Amorim e vamos ver a melhor data. Aproveito para deixar um abraço para ela, por quem tenho um carinho grande. A Patricia é merecedora de títulos importantes pelo trabalho que faz, só ser uma mulher e dirigir um clube como o Flamengo já é uma vitoriosa.
Ronaldo Angelim visita obras do Maracanã (Foto: André Durão / GLOBOESPORTE.COM)
Ronaldo Angelim beija o manto: amor que nunca foi escondido (Foto: André Durão / GLOBOESPORTE.COM)
E planos para 2012, voltar a defender o Fortaleza, onde você também é ídolo?
Não fico prevendo muito isso, não. Deixo as coisas acontecerem, quero jogar mais um, dois anos. Se aparecer um clube interessado vou procurar defender bem. Como me cuido dá para jogar até as pernas aguentarem.
Durante sua passagem pelo Flamengo teve uma brincadeira com a frase "There’s only one Ronaldo", que dizia que você era o cara, e não Cristiano Ronaldo, o Fenômeno, o Ronaldinho Gaúcho. O que você achava disso?
Fiquei feliz, não esperava isso. A torcida do Flamengo é muito criativa, já fizeram brincadeiras com outros jogadores. Essa eu gostei. Quero agradecer de coração. E também, sempre que vou aos jogos, tem uma bandeira com meu rosto.
Quem é o Ronaldo do Flamengo: Angelim ou Gaúcho?
Ah... o Gaúcho é muito mais conhecido, mais talentoso. Eu fui um simples jogador que procurei defender bem a camisa do Flamengo. Acho que sou ídolo mais pelo gol, né? Mas tenho certeza que fiz um ótimo trabalho nesses seis anos, lógico que nem sempre consegui manter o nível lá em cima. Mas sempre fiz tudo pelo Flamengo.

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