Zico com a camisa 10, que também celebrizou: "Com Pelé, não há comparação" (Foto: M.M. Passos) |
Vocês sabiam que Zico, um dos grandes craques do futebol mundial
em todos os tempos — que se tornou sessentão esta semana — é formado em
Contabilidade e gostaria de ter estudado piano?
Que seu apelido de garoto era “Caroço”?
Que não se considera o melhor dos três irmãos Antunes que se
aventuraram no futebol — para ele, o baixinho Edu, que infernizou os
adversários do América e do Vasco durante um período dos anos 70, era o
cara?
Que, vindo das divisões inferiores do Flamento e já jogando uma
barbaridade, nunca teve uma chance no time principal com o então técnico
Zagalo?
O grande Zico completou 60 anos de idade esta semana e recebeu
muitas homenagens. A minha é a de republicar reportagem/perfil que fiz
para VEJA quando o craque estava no auge, às vésperas da Copa de 1982 — com as informações curiosas mencionadas acima e muitas outras.
A “chamada” da capa (veja foto abaixo) dizia: “O Grande Zico”. E o
título da reportagem, dentro da revista, era: “O nosso craque maior”. A
foto de abertura da reportagem é a foto que abre este post.
Depois do final da reportagem, leia um texto em que conto bastidores de sua feitura.
Reportagem publicada na edição de VEJA de 17 de março de 1982
O NOSSO CRAQUE MAIOR
Vencidos problemas e preconceitos, Zico chega aos 29 anos
como o melhor jogador do Brasil e com tudo para explodir na Copa do
Mundo
Quando
as seleções do Brasil e da Alemanha Ocidental pisarem o gramado do
Maracanã, no Rio de Janeiro, no próximo domingo, os apreciadores estarão
diante do que, no momento, o futebol internacional pode oferecer de
melhor – e testemunharão, de quebra, o confronto direto de duas
superestrelas desse esporte: o brasileiro Arthur Antunes Coimbra, o
Zico, 29 anos, e o alemão Karl-Heinz Rummenigge, 26.
Poucos críticos e torcedores, excetuados talvez os argentinos,
deixariam de considerar Brasil e Alemanha o maior clássico do planeta.
Da mesma forma, o mundo parece convencido de que Zico e Rummenigge
compõem, com o argentino Maradona, o trio de gigantes de sua geração.
Embora seja um amistoso preparatório para a Copa do Mundo da Espanha,
que começa em junho, o jogo de domingo oferece atrações capazes de
transformá-lo num grande acontecimento. Em primeiro lugar, há o
ressentimento dos alemães com o duro retrospecto sobre os encontros
Brasil e Alemanha – em nove jogos, o Brasil venceu seis, empatou dois e
perdeu apenas um.
Além disso, o fortíssimo time do técnico Jupp Derwall ainda parece
francamente atônito com a impiedosa goleada de 4 a 1 que lhe foi imposta
pela equipe de Telê Santana no Mundialito do Uruguai, há pouco mais de
um ano. São temperos que certamente apimentarão o duelo entre Zico e
Rummenigge.
Trata-se de um daqueles tira-teimas entre craques que tanto atrai as
multidões – no último deles, entre Zico e Maradona, Zico levou a melhor.
Num Flamengo e Boca Juniors realizado em setembro passado, o Flamengo
ganhou de 2 a 0 – dois gols de Zico, numa partida em que Maradona jogou
mal e saiu antes do fim.
Zico merece todo o respeito dos alemães. “Ele é um jogador-exceção,
uma raposa, um craque que conquista a bola com leveza e agilidade”, diz o
meio-campo Wolfgang Dremmler, 27 anos, que no domingo atuará contra o
Brasil.
A exibição ao lado de Rummenigge, um habilíssimo atacante sem posição
fixa, eleito o melhor jogador da Europa em 1980 e 1981, será uma boa
oportunidade para que Zico se consolide na posição de primeiro aspirante
a uma coroa que foi de Pelé por muitos anos e, na prática, está sem
dono desde que o holandês Johann Cruyff se afastou da Seleção Holandesa,
às vésperas da Copa de 1978.
CURRÍCULO ESPLÊNDIDO
Que Zico é o maior jogador do Brasil ninguém mais duvida – nem mesmo
Sócrates, o atacante do Corinthians, reconhecidamente o único que
poderia fazer-lhe sombra de forma direta. “Isso não se discute: o melhor
jogador do Brasil é Zico”, encerra Sócrates.
Fantasmas e preconceitos ficaram para trás
E já ficaram definitivamente para trás alguns fantasmas e preconceitos que assombraram a carreira de Zico.
Pipoqueiro? “Santo Deus, eu queria ter um pipoqueiro desses em cada
clube que eu treinar”, diz o técnico Oswaldo Brandão, o primeiro a
convocar Zico para a Seleção, no início de 1976.
Jogador que só vai bem no Maracanã? Basta ver a chuva de gols que
Zico marca por todo o Brasil, ou, então, os aplausos que recebeu da
insaciável torcida paulista no magro empate por 1 a 1 contra a
Checoslováquia, no início do mês. Mesmo no “purgatório” tradicional à
saída do estádio, onde nem Sócrates escapou de xingamentos, Zico foi
poupado.
Craque que não dá certo na Seleção? Que se ouça, então, o técnico
Telê, para quem Zico é “o maior nome do futebol brasileiro”, “um dos
melhores jogadores do mundo” e “um grande profissional”, que em vinte
das 28 partidas da Seleção disputadas desde que Telê assumiu, há dois
anos, fez dezenove gols, sem contar os que proporcionou a seus
companheiros.
Ninguém, no futebol brasileiro atual, chega perto do esplêndido
currículo do novo camisa 10 da Seleção. Zico foi seis vezes campeão da
Taça Guanabara e seis vezes campeão do Rio de Janeiro pelo Flamengo,
ganhou três títulos de torneios internacionais pela Seleção e dois pelo
Flamengo, foi campeão da Taça Libertadores da América e Mundial de
Clubes no ano passado.
O maior artilheiro da história do Flamento: em 8 campeonatos, artilheiro em 5 e vice em 2
De 1974 para cá, quando se firmou de vez no ataque do Flamengo, em
oito campeonatos disputados no Rio, Zico foi artilheiro em cinco e
vice-artilheiro em dois.
Um dos poucos jogadores profissionais em todos os tempos a superar a
marca dos 500 gols, até a semana passada ele balançara as redes
adversárias exatas 560 vezes, 502 das quais no Flamengo – o que o
transforma no maior artilheiro da história do clube -, 53 na Seleção
Brasileira e cinco em outras seleções.
Para onde se olhe na carreira de Zico, lá estará sendo quebrado algum recorde.
Foi ele, por exemplo, o maior goleador do Maracanã num único
campeonato, o de 1975, com trinta gols, batendo um recorde estabelecido
ainda na década de 50 pelo legendário Ademir de Menezes e igualado na
década seguinte pelo artilheiro Quarentinha, do Botafogo.
Foi ainda Zico quem mais gols marcou num único jogo no Maracanã –
seis, na goleada de 7 a 1 do Flamengo contra o Goytacaz, em março de
1979, dose repetida três meses depois contra o Niterói. Na segunda-feira
dia 22 ele receberá o Troféu Craque do Ano da revista Placar,
escolhido pelo voto dos leitores, unanimidade do Júri Especial da
revista e por um júri de jornalistas esportivos de quatro capitais
brasileiras.
AUTÓGRAFOS EM BOLAS
Ele próprio diz: “Não há comparação com Pelé”
Zico chega ao limiar da Copa do Mundo com uma unanimidade nacional
semelhante à ostentada por Pelé. “Mas não há termo de comparação entre
Zico e Pelé”, ressalva o camisa 10 do Flamengo.
As estatísticas sugerem que mesmo o grande Zico não poderá reprisar a
glória do genial Pelé. Zico precisou chegar aos 29 anos de idade para
ter marcado 500 gols. Pelé, com a mesma idade, já havia colecionado
1.000.
Mas os dois se parecem ao menos na infinita paciência com que ambos
sabem conviver com a condição de ídolo. “Este rapaz já não se pertence,
não pode ficar tranquilo um minuto”, irrita-se o supervisor do Flamengo,
Domingos Bosco.
Celebridade com paciência infinita
É verdade. Tome-se ao acaso qualquer dia na vida de Zico e se terá
uma prova para os nervos de um mortal comum. Dia de jogo do Flamengo em
Fortaleza, no Ceará, por exemplo. No restaurante em que ele almoça no
Hotel Praiano, o garçom larga na mesa o filé do maior jogador do Brasil,
saca do bolso uma câmara e põe-se a fotografar o craque.
Nos 15 minutos em que se aventura a chegar perto da piscina, não
consegue parar: dá autógrafos em bolas, raquetes de tênis,
cartões-postais. Segura criancinhas para fotografias, abraça fãs que
nunca viu, é sucessivamente beijado.
Na sede do Flamengo no Rio, na Gávea, é pior ainda.
Num dia normal, como antes da recente partida contra o Atlético
Mineiro, Zico pode bem demorar 40 minutos entre o final do treino e o
momento em que, enfim, exausto, pode entrar no banho.
No percurso, entrevistas a cinco emissoras de rádio, a três
jornalistas italianos e a dois árabes que mal falam português, uma ida
até as arquibancadas para conversar com crianças excepcionais trazidas
por uma professora, uma pausa para receber sua imagem entalhada em
madeira por um fã adolescente – e, claro, incontáveis autógrafos.
SUCESSO NO TEATRINHO
“Quem perde a paciência às vezes sou eu”, diz a mulher, Sandra
“As pessoas às vezes abusam, mas ele dificilmente perde a paciência”,
diz Sandra de Sá Coimbra, 26 anos, a mulher de Zico. “Eu é que às vezes
perco”, arremata, lembrando casos em que Zico mal pôde permanecer numa
boate ou teve o braço confiscado por algum fã num restaurante no momento
exato de levar o garfo à boca. “Faz parte de minha vida”, diz Zico,
resignado. “Essas pessoas só me vêem de longe nos estádios, gostam de
mim. Eu não me escondo, não.”
Maria José, a “Zezé”, 38 anos, irmã mais velha de Zico, psicóloga com
consultório em Copacabana e professora na Universidade Gama Filho, acha
que Zico “tem muito equilíbrio para conviver com essa glória e ser um
homem feliz”.
Pragmático, o próprio Zico explica sua técnica para sobreviver quando
está em trânsito por algum lugar público: “Você não pode é parar. Se
parar, aglomera”. Nas férias com Sandra e os filhos Arthur Júnior, de 4
anos, e Bruno, de 3, o recurso é ir para o exterior. “No Brasil, não tem
mais lugar nenhum em que eu passe despercebido”, diz ele com
simplicidade.
Caminho para os filhos flamenguistas foi aberto… no Fluminense
O caminho de Zico para a glória, desde que era o pequeno craque
“Caroço” (apelido resultante de um quisto próximo a seu olho esquerdo,
já eliminado) das peladas em Quintino Bocaiúva, um subúrbio a 45 minutos
de ônibus do centro do Rio, entre Cascadura e Piedade, na zona norte,
já entrou para a legenda do futebol brasileiro.
O alfaiate José Antunes Coimbra – “seu” Antunes, o pai, hoje com 81
anos – fora goleiro na juventude, depois que emigrou de Portugal, mas
mesmo assim se opusera a que os filhos, todos flamenguistas roxos como
ele, jogassem futebol profissionalmente.
Segundo a mãe, dona Matilde, o filho caçula era um menino
bem-comportado, que não dava trabalho. “Ele gostava muito de cantar e de
participar do teatrinho da escola”, lembra-se sua primeira professora
no Grupo Escolar Rocha Pombo, dona Neide Almeida Sampaio. “Uma vez ele
foi o caçador na encenação do ‘Chapeuzinho Vermelho’ e se saiu muito
bem.” Acima de tudo, ele gostava de futebol.
Um garoto que antes dos 10 anos encantava Quintino nas peladas de
rua, Zico, porém, obedecia ao pai – e foi preciso que o irmão José
Carlos, o “Zeca”, hoje um economista de 37 anos, mais conhecido por
Antunes, abrisse caminho para uma breve carreira no Fluminense para que
os irmãos pudessem segui-lo.
MAMADEIRA E SERIEDADE
Fernando, o “Nando”, formado em Comunicações, 36 anos, acabou jogando
no Madureira e no Futebol Clube do Porto, de Portugal. Eduardo, o
“Edu”, hoje com 35 anos, concluindo o curso de Educação Física,
treinador dos juvenis do América Carioca e instrutor da Funabem no Rio,
foi uma sensação no América, jogou no Vasco e no Flamengo, esteve entre
os quarenta selecionados para a Copa do México e encerrou sua carreira
no mês passado pelo Campo Grande, no Rio.
O moleque franzinho faz 14 gols numa partida de futebol de salão
Dos cinco homens – Zezé, a psicóloga, é a única mulher -, apenas
Antônio, o “Tonico”, 36 anos, formado em Administração e funcionário do
Detran, não foi jogador profissional.
A história do Zico craque começou com o radialista Celso Garcia, da
Rádio Tupi, vizinho de bairro dos Antunes, sendo chamado para ver o
garoto em ação no futebol de salão do Clube River, em Piedade.
O Santos, time de Zico, então com 14 anos, ganhou de 22 a 2, e aquele
franzino atacante fez catorze gols. “Fiquei impressionado, com a
certeza de que tinha descoberto um craque excepcional”, diz Garcia, hoje
conselheiro o Flamengo.
Zagalo, técnico, nunca lhe deu uma chance no time principal do Fla
Garcia levou Zico para treinar na Gávea e espantou o treinador dos
juvenis, Modesto Bria, com o físico mirrado do garoto: 1,55 metro e 37
quilos. “Isso aqui é coisa muito séria, Celso”, reclamou Bria. “Esse
menino precisa é de mamadeira.”
Mas Zico agradou em cheio no primeiro treino – e daí para a frente ninguém o segurou, nem a má vontade de técnicos sem visão.
Joubert não o deixava treinar, já crescido, com os profissionais.
Zagalo, mais tarde, nunca lhe deu uma chance no time principal. E
Antoninho conseguiu excluí-lo dos convocados para a Olimpíada de
Munique, em 1974, mesmo sendo o Flamengo campeão estadual e Zico, ainda
um aspirante o artilheiro do time.
GOSTOS SIMPLES
O baixinho magricela ganha peso, músculos e altura
Um intenso programa de condicionamento físico transformaria Zico
completamente. Dividido em três fases – uma completa revisão médica,
tratamento à base de anabolizantes hormonais para estimular o
crescimento combinado com superalimentação e treinamentos físicos
especiais -, o programa fez Zico ganhar 17 centímetros e 13 quilos de
1969 a 1974. Valeu.
Zico não se importa de ser chamado de craque de laboratório. “O
futebol eu sempre tive, ninguém me ensinou”, diz. Embora poucos notem,
ele acabou ficando 2 centímetros mais alto que Pelé, e hoje tem 66
quilos.
O maior jogador do Brasil é um homem de gostos simples. Seu prato
preferido é filé com fritas, arroz e feijão. Quando frequenta seus
restaurantes prediletos no Rio, o Castelo da Lagoa, o Antiquarius e o
Mário’s, costuma pedir frutos do mar.
Gosta de cerveja gelada e de vinho rosê, embora só beba socialmente, e
odeia gravata. Passa a maior parte do tempo com roupa esporte, e usa
muito – por força de um contrato de publicidade – os artigos da marca Le
Coq Sportif.
Zico dispensa os penduricalhos que normalmente enfeitam os jogadores
de futebol: junto com o relógio, usa uma pequena pulseira de ouro,
presente de Sandra. E, no pescoço, uma medalha também de ouro mostrando
dois peixinhos nadando entrelaçados – referência a seu signo e presente
que ganhou no Dia dos Pais do ano passado.
No lazer, o vôlei de praia de outrora tomou-se impraticável. Seu
grande passatempo, hoje, é a aparelhagem de vídeo-cassete instalada num
painel de mais de 2 metros em sua sala. Ali, Zico tem quase todos os
gols que marcou e uma enorme coleção de filmes e musicais. Confessa-se
“amarrado” em samba e conhece de cor os sambas-enredos das principais
escolas do Rio. Vai pouco a cinema – prefere ver em casa – e muito a
teatro.
PLANOS ABANDONADOS
Um homem de família, que beija o pai, os tios e os irmãos homens
É um homem de família. Costuma beijar não só mãe e a irmã, mas também
o pai, os tios e os irmãos homens. Sabe de memória as datas de
aniversário de todos os parentes e amigos mais próximos, e não deixa
passá-las sem um presente. Gosta de trabalhar com os que lhe são
próximos: seu procurador, João Batista de Almeida, é irmão de dona
Neide, a primeira professora, e o irmão Antunes ajuda a administrar seus
negócios.
Longe do público, é brincalhão e considerado pelos companheiros de
time “um grande gozador”. “Pintou um lance, ele encarna”, diz o lateral
Leandro, do Flamengo. Seu círculo de amizades é elástico. No mundo do
futebol, os mais próximos são Cláudio Adão, do Vasco, e sua mulher,
Paula, o goleiro reserva do Flamengo, Cantarele, e o lateral Júnior. Mas
nele figuram também o cantor Fagner, o comediante Chico Anysio e os
atores Carlos Eduardo Dollabela, Pepita Rodrigues e Fábio Júnior.
Casado há sete anos com Sandra, primeira namorada e irmã mais nova de
Suely, mulher de Edu, declara-se até hoje apaixonado pela “mulher,
irmã, amiga e amante”. “Nunca tivemos uma crise ou briga séria”, garante
Sandra, que o chama de “Filho”. Para os colegas de Flamengo é “Galo” –
uma alusão ao apelido “Galinho de Quintino” com o qual foi batizado pelo
locutor Waldir Amaral.
Sandra vai com frequência ao Maracanã para assistir aos jogos de
Zico, e tem viajado ao exterior durante as excursões do Flamengo, para
ficar próxima do marido. Sandra vai à Copa da Espanha, e Zico aplaude a
idéia.
O futebol obrigou o supercraque a arquivar alguns planos. Ele
gostaria de estudar piano, se tivesse tempo. Sandra, que passou no
vestibular de Comunicações da Gama Filho em 1977 mas deixou os estudos
quando ficou grávida de Arthur Júnior, tateia algum horário para que
Zico estude inglês, como ela. Zico, que fez Contabilidade, abandonou seu
curso de Educação Física na Faculdade Castello Branco em 1974, por
falta de tempo.
ESPÍRITO DE LIDERANÇA
Tempo também falta para Zico exercer como gostaria suas funções de
presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais do Rio de Janeiro.
“Vou lá quando dá”, desculpa-se.
Mas faz o que pode. Atualmente, Zico empenha-se sobretudo pela
criação de uma entidade nacional de atletas profissionais, pela
destinação da renda de um teste da Loteria Esportiva às entidades
assistenciais dos jogadores e por uma reformulação da lei do passe, que
“escraviza o jogador ao clube”. “Ele é um grande líder de nossa classe”,
diz Zé Mário, substituído por Zico no cargo quando se transferiu do
Vasco para a Portuguesa, em São Paulo.
Só reivindica para o grupo
“O Zico tem um grande espírito de liderança”, afirma o advogado
Antônio Augusto Dunshee de Abranches, presidente do Flamengo, acostumado
a receber o craque para tratar das reivindicações dos jogadores. Foi
Zico quem exigiu que o vestiário fosse reformado, ou que os jogadores
tivessem participação nas rendas. “Quando ele reivindica, é sempre para o
grupo, nunca só para ele”, atesta o lateral Júnior.
É claro que Zico sabe também defender seus próprios interesses – mas,
rumo aos 30 anos e próximo de disputar a que provavelmente será sua
última Copa do Mundo, ele ainda não é exatamente um bilionário do
futebol. Obviamente, está muito longe de ser pobre. Mora com família
numa bela casa de três andares, quatro suítes e piscina na Barra da
Tijuca, no Rio, servida por quatro empregados permanentes e dois
eventuais.
Um bom patrimônio, mas longe do que poderia ser
Para comprá-la no ano passado, porém, teve que vender seu primeiro
apartamento, na Tijuca, porque lhe faltavam os 7 milhões de cruzeiros da
entrada. Além disso, possui dois apartamentos, dois terrenos, uma casa
de veraneio em Praia Grande, no litoral fluminense, uma loja de artigos
esportivos – a Zico Esportes, na Tijuca – e três automóveis: uma
Caravan, um Passat Dacon e um Del Rey.
COTAS ESPECIAIS
A condição de jogador mais bem pago do futebol brasileiro – entre
luvas e salários, ele ganha hoje cerca de 3 milhões de cruzeiros mensais
estipulados por um contrato que vai até maio de 1983 – não permitiu que
Zico juntasse um patrimônio muito superior a 100 milhões de cruzeiros.
A preços de hoje, portanto, é menos que a quarta parte do primeiro
contrato assinado por Pelé com o Cosmos de Nova York, em 1977.
“Proporcionalmente ao que ele traz para o clube, Zico é o jogador mais
barato do Brasil”, exagera Michel Assef, assessor jurídico do Flamengo.
A tendência, porém, é a aceleração do ritmo de sua caminhada para a
riqueza: seu contrato atual prevê cotas especiais por participação em
jogos no exterior, e o sistema de prêmios do Flamengo, com participação
dos jogadores na renda e nos direitos de televisamento, permite, nas
boas fases do Flamengo, que Zico receba pelo menos 1,5 milhão adicional
por mês.
Acima de tudo Zico está agora entrando de rijo no terreno em que
realmente uma celebridade esportiva hoje ganha dinheiro: os contratos de
publicidade. “Quando terminarem esses contratos, ele será um homem
rico”, assegura George Helal, vice-presidente do Flamengo, velho amigo
do jogador e seu sócio na firma Zico Participações e Empreendimentos
Ltda.
Para ele, o irmão Edu foi melhor
A empresa comercializará, no futuro, a marca “Zico”, já patenteada,
como fez Pelé. Hoje, cuida dos negócios publicitários de Zico, que tem
contratos com a Coca-Cola, Le Coq Sportif, Wella (xampus), Calcigenol
(fortificante), Losango (turismo) e Estrela (brinquedos). Quanto Zico
está ganhando com tudo isso? “Bem…”, desconversa o jogador, com um
sorriso reticente.
Ele se torna bem mais loquaz ao falar de futebol – e é modesto ao
analisar suas qualidades. Acredita sinceramente que seu irmão Edu o
“superava longe em termos de qualidade técnica”. Talvez se trate de um
tique familiar: o pai, “seu Antunes”, jura que o melhor entre os filhos
era Antunes. Considera-se um bom jogador, embora admita que precisa
aperfeiçoar o chute de esquerda com bola parada e não se veja como um
marcador eficiente.
Suas jogadas preferidas são partir do meio de campo com a bola
dominada, em arrancada fulminante rumo ao gol – cada vez mais difícil,
hoje em dia -, e chutar de primeira, quando consegue, uma bola cruzada
da linha de fundo. Acha que sua principal característica é a rapidez
dentro da área: “Procuro não enfeitar – quero jogar a bola dentro do
gol, pegar o goleiro no contrapé”.
O POVO SABE
Quanto à Copa, Zico entende que Telê está no caminho certo, que não
há “casos claros de injustiçados” e que “é preciso respeitar o fato de
que certos técnicos trabalham melhor com certos tipos de jogador”.
Baseado sobretudo na divisão de chaves, ele aponta Alemanha e Espanha
como grandes forças que poderão cruzar o caminho do Brasil.
Entre os jogadores estrangeiros, acha que brilharão sobretudo o
argentino Maradona, os alemães Breitner, Runimenigge e Hansi Müller, e o
inglês Keegan. Do Brasil, omitindo-se da lista, ele aponta como os
melhores Sócrates, Júnior, Leandro, Cerezo e Luizinho.
Falando de política e de economia
Zico também não se acanha em selecionar nomes em política. Nessa
área, é ecumênico. O senador Tancredo Neves, ex-PP, agora PMDB, é “um
cara de cabeça muito legal”. Sandra Cavalcanti, candidata do PTB ao
governo do Rio, que conhece pessoalmente, “é uma cabeça poderosa”. Seu
rival do ex-PP e agora do PMDB, Miro Teixeira, amigo pessoal de Zico,
representa “sangue novo”.
Ele apoia o projeto de abertura do presidente Figueiredo – e publicou um artigo no jornal Hora do Povo,
do MR8. “Não vejo problema algum nisso”, diz Zico, que no entanto
esclarece não se tratar de coluna fixa, como o jornal deu a entender.
“Eu estava falando dos problemas do jogador de futebol.”
Zico não está satisfeito com o estado da economia. “Então vou ser a
favor dessa inflação terrível que aí está comendo tudo?”, pergunta. “Vou
dizer que a situação econômica é boa? Claro que não é”, diz, apontando
como uma das causas a “má administração”.
Zico acha que o brasileiro está plenamente preparado para votar.
Espera que haja logo eleições diretas para a Presidência – “Temos que
chegar lá” – e não aprovou a vinculação de votos estabelecida pelo
pacote de novembro: “Deve haver liberdade de escolha”.
Pretende votar em seu amigo Márcio Braga, ex-presidente do Flamengo,
para deputado federal. Com a incorporação, produto direto dos casuísmos
eleitorais do governo, se Márcio, ex-PP, mantiver sua candidatura, Zico,
portanto, vai acabar votando no PMDB nas eleições de novembro.
Mas Zico lembra que “política não é meu setor”, e acha que as pessoas
célebres, no Brasil, são patrulhadas caso não se pronunciem “sobre
tudo”. Sua vida está centrada mesmo é no futebol. Segundo o craque, para
o Brasil estrear em pleno estilo na Espanha, “só falta o pessoal poder
ficar com a cabeça voltada para a Copa”.
A dele já está – e, no auge da forma, Zico poderá voltar da Espanha como o maior jogador do mundo.
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BYTES DE MEMÓRIA — BASTIDORES
Não basta trabalhar muito: jornalista também precisa ter sorte
Zico não voltou da Espanha com o título que ele e seus companheiros mereciam: o de tetracampeão do mundo.
Eu estive naquela Copa, por dever profissional, e vi a extraordinária
seleção de Telê Santana passar dançando pelas primeiras três partidas,
classificar-se em primeiro lugar em seu grupo, dar um baile de 3 a 1 na
fortíssima Argentina – com Maradona já despontando e tudo o mais — e, na
“tragédia de Sarriá”, cair por 3 a 2 ante uma Itália até então
medíocre, que se classificara para o misto de oitavas e quartas de final
daquela disputa com três empates.
Mas a história com Zico começou assim: J. R. Guzzo, o diretor de
Redação de VEJA, me chamou à sua sala, um belo dia, logo no final de
1981, e disse:
– Setti, vou mandar você para a Copa do Mundo da Espanha. Você terá
duas tarefas: cobrir a Seleção Brasileira e chefiar a equipe da revista
que vai para a Copa.
Saí da sala com um misto de euforia, por poder trabalhar num tema que
me apaixonava, e de forte aperto no estômago. Eu não era jornalista da
área esportiva — era sub-editor da então importante editoria de
Internacional, na qual trabalhava havia seis anos.
Gostava de futebol e sabia quem eram todos os personagens ligados à
Seleção. Nisso, estava confortável. — o problema é ninguém com quem eu
trataria. Nenhuma fonte de informação, a começar pelo técnico Telê
Santana, tinha ideia de quem eu era.
E cerca de 400 jornalistas, todos da área, experientes, iriam cobrir a Copa.
Guzzo, com minha designação, queria um olhar diferente sobre a
Seleção, e estava plenamente ciente de que eu precisava me enfronhar no
tema antes de embarcar para a Europa, meses depois. Assim, ficou
combinado que eu passaria a dividir meu tempo entre as tarefas da
Internacional e a cobertura de alguns treinos e amistosos da Seleção
Brasileira. (Foi o que fiz no Morumbi, no Maracanã, no Recife e em São
Luís do Maranhão).
A primeira etapa desse processo, porém, era um desafio: fazer no
começo de março uma reportagem de capa, extensa e detalhada, sobre Zico,
o maior craque do país na época.
Fui auxiliado, na tarefa, pelo repórter Maurício Cardoso, que sabia
tudo de futebol e conhecia todo mundo nesse terreno. Ele ouviu várias
pessoas do entorno do craque e o técnico Telê. (Infelizmente, por
decisão que escapou de meu alcance, ele não teve crédito na reportagem.)
Pesquisei muito, li tudo o que podia sobre Zico e, não sem
dificuldade, consegui manter uma primeira conversa com ele no final de
um treino no agradabilíssimo Hotel Rancho Silvestre, em Embu das Artes, a
meia hora da sede da Editora Abril, um oásis verdejante, dotado até de
campo de futebol com medidas oficiais, onde a seleção tradicionalmente
se concentrava quando em São Paulo.
No caso, estava concentrada para um amistoso contra a poderosa Alemanha Ocidental.
Na conversa com Zico, interrompida por constantes pedidos de
declarações feitas por colegas, acabei combinando com ele de continuar a
entrevista no Rio. Dias depois, fui de manhã até sua casa na Barra da
Tijuca, mas o Galinho de Quintino estava com a agenda atrapalhada e me
pediu para encontrá-lo mais tarde, durante um treino do Flamengo, seu
clube, na Gávea.
Naquela época, Zico era uma das quatro ou cinco pessoas mais célebres
do país. Perguntei a ele em que lugar do Brasil ele conseguia ficar
sossegado com a mulher e os filhos — para almoçar num restaurante, ir a
um cinema ou a um teatro.
Zico respondeu, com simplicidade, como se fosse a coisa mais natural do mundo — e que era mesmo, para ele:
– Que lugar? Nenhum.
Imaginem então vocês na Gávea o que era assédio ao craque. Assisti ao
treino do Flamengo, conversei com alguns jogadores e dirigentes a
respeito do objeto de minha reportagem mas, com Zico… Uma pedreira.
Solicitado por Deus e o mundo, ele demorou uns 40 minutos entre o final
do treino e a chegada aos vestiários, para tomar banho. Me fazia sinal
para esperar, e assim fiz.
Só consegui terminar a entrevista iniciada no verdejante Hotel Rancho
Silvestre no estacionamento da Gávea, perto do Ford Del Rey de Zico.
Aquele contato preliminar seria aprofundado no mesmo mês, quando
reencontrei o Galinho no Copacabana Palace, no Rio, onde recebeu da
revista Placar a Bola de Ouro por suas atuações em 1981, e em
diversos amistosos que a Seleção realizou no Brasil antes de embarcar
para a Europa. Quando lá chegamos, Zico já confiava em mim e se tornara
uma boa fonte de informações.
Voltando à reportagem de capa: depois de falar com o craque, era
preciso, ainda, tentar entrevistar pessoas de sua família, com
integrantes espalhados por vários bairros do Rio, agendas e interesses
diferentes.
E aí veio a sorte, atributo fundamental para jornalistas cumprirem bem suas tarefas.
Exatamente naquela semana anterior à partida contra a Alemanha o apresentador Silvio Santos comandava o programa Esta é sua vida
— e o personagem era, precisamente, Zico. Ou seja, tratava-se de um
programa sobre a vida de Zico, da infância até a glória no futebol. E a
produção providenciou a presença, nos longínquos estúdios da então TVS
na Vila Guilherme, em São Paulo, de toda a família de Zico, de vários
amigos de infância e até de sua primeira professora!
Maurício Cardoso e eu seguimos para a Vila Guilherme num carro da
Abril, com o fotógrafo Sérgio Berezovsky (hoje diretor de Redação da
revista Quatro Rodas). Para nossa surpresa, quase não havia
jornalistas na gravação do programa. Pudemos entrevistar os pais de
Zico, seu irmão Edu — um driblador infernal que jogava uma barbaridade,
quanto atuou pelo América e, depois, pelo Vasco –. sua primeira
professora…
A sucursal de VEJA no Rio, dirigida por Zuenir Ventura, também colaborou com algumas declarações.
De posse dessa montanha de informações, sentei-me à minha mesa na
redação de VEJA, então na sede da Abril na Marginal do Tietê, em São
Paulo, e escrevi o texto.
Até hoje não sei por que cargas d’água não incluí na reportagem uma
informação inacreditável que me foi fornecida pela mãe do craque, dona
Matilde: Zico, contou-me ela, mamou do leite materno até os 11 anos de
idade.
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