quinta-feira, 5 de julho de 2012

Maior artilheiro, Zico conta 'segredo' da força e revela 'casaca' para o irmão

Num Fla-Flu, o menino Zico viu o Flamengo ser campeão pela primeira vez. Num Fla-Flu, o torcedor Zico sofreu quando o atacante tricolor Wilton ajeitou a bola com a mão antes de marcar o gol da vitória e o juiz nada marcou. Num Fla-Flu, Zico ainda viveu a louca experiência de, numa preliminar, ter torcido pelo Fluminense por causa do irmão Antunes, atacante tricolor do time de aspirantes, para depois trocar de lado na arquibancada e poder pular nos gols rubro-negros. Num Fla-Flu, juvenil, Zico começou a fazer seus gols e sentir a vibração da torcida e a beleza do Maracanã colorido pelo clássico. Também num Fla-Flu, antes de ser o consagrado Zico, disputou a única final carioca contra o rival e sentiu o gosto amargo da derrota. Num Fla-Flu, já temido, viveu momento mágico e de reafirmação ao marcar quatro gols na recém-surgida e poderosa Máquina e ganhou, de lambuja, consagradora manchete de jornal: "Zicovardia". Num Fla-Flu, após retornar da Itália para o Brasil, respondeu aos gritos de "bichado" com show e três gols na estreia do amigo Sócrates (assista acima). Num Fla-Flu, despediu-se oficialmente dos rubro-negros com mais um gol e muita emoção. E num Fla-Flu, viveu diferente e saborosa história de super-herói. Tal como o ex-mascote do clube, o marinheiro Popeye, teve o seu "espinafre" para lhe dar "superpoderes".
 
E haja "espinafre". Como jogador, o ex-torcedor Zico, que assistira a incontáveis Fla-Flus da arquibancada, disputou 44 partidas. Dezenove gols marcados. É o maior artilheiro da história do seu clássico favorito e vivido intensamente. Além da beleza do colorido das arquibancadas, o eterno camisa 10 da Gávea guarda algumas das melhores lembranças. É bom que ele mesmo conte uma das mais divertidas, passada no ano de 1978, quando o time do Flamengo começava a embalar para ser o papão de títulos entre o fim dos anos 70 e o começo dos 80.
- A dos morangos é muito boa. Entre os jogadores, a gente criou a história de que quando tinha morango eu fazia gol. Eu gostava dessa pilha. Todo domingo. Aí, tinha que ter morango na concentração de sobremesa, lá em São Conrado. Eu adoro morango. Numa semana, tinha Fla-Flu. O seu Zé e o seu Emílio (funcionários) sempre procuravam pelo morango e avisavam ao Domingos Bosco, nosso supervisor, que tinham conseguido. Quando chegamos à concentração naquele fim de semana, um deles chegou para o Bosco, nosso supervisor, e disse: "Bosco, eu procurei pelo Rio de Janeiro inteiro. Não tem morango."
Aqui, abre parênteses. Domingos Bosco era um supervisor que funcionava como um paizão, muito querido pelos jogadores. Tanto os do Fluminense, onde começou a carreira - cuidou da Máquina que tinha Rivellino, Paulo Cezar, Doval e Carlos Alberto, entre outros -, quanto os do Flamengo, para onde partiu em 1977. Rubro-negro de coração, uma de suas marcas era não deixar faltar nada aos jogadores, principalmente aos craques. E quando Adílio, Toninho Baiano, Cláudio Adão e Júnior souberam que não tinha morango para a sobremesa... Bosco sofreu.
ESPECIAL FLA-FLU zico morango (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Os morangos foram o "espinafre" de Zico, que fez Bosco sofrer... (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
 
- Eles descobriram e gritaram: "Pô, tem que dar um jeito, descobrir, senão não vai ter gol." Aí eu aproveitei e falei: "Ah, não vai ter mesmo. Sem morango, não tem gol!" O Bosco era fogo. Se faltasse alguma coisa assim, ele ficava desesperado. Domingo de manhã, ele chegou e nada de o morango aparecer. Eu estava dormindo, sempre acordei tarde. Ele pegou, deu meia volta. Quando chegou lá para meio-dia, voltou, ficou quieto. Lá por volta de uma hora, fomos almoçar. Eu comecei: "Cadê esse morango? Assim não vai ter gol...". Todo mundo pilhando. Aí, quando acabamos de comer, veio o Bosco com um pacote pardo, de supermercado. Vira com aquele monte de moranguinho silvestre de beira de estrada.... Foi uma gritaria, vibração geral. Ele ainda pegou o chantilly e disse: "Toma, tu vai ter que fazer gol de todo jeito. Não é por falta de morango que você não vai fazer" - disse o Galinho, às gargalhadas.
 
Zico lembrou que o supervisor morava na Estrada das Canoas, onde havia muitos morangos silvestres. E foi lá que os encontrou para lhe servir após o almoço.
- O pessoal até chamava aqueles moranguinhos de comida de cobra. Ele foi lá, catou na beira da estrada e trouxe. Aí, eu tinha a obrigação de fazer gol, né? Quando chegamos ao Maracanã, chovendo... Mas deu tudo certo. Foi 4 a 0, dois gols meus e dois do Cláudio Adão. Aí deitamos, né? "Viu como o morango tem que ter?" Era muito engraçado...
O eterno ídolo rubro-negro gosta tanto de morango que, na hora das fotos, reclamou da gafe da reportagem por não ter levado o chantilly.
- Vocês trouxeram creme de leite? Pô, era com chantilly!! - disse o Galinho, entre uma garfada e outra, bem-humorado, enquanto contava outras histórias de boas lembranças do Fla-Flu.
Irmão no Flu
Uma que poucos rubro-negros sabem: na arquibancada, Zico já ficou no lado do Fluminense em jogo contra o Flamengo. Antes que qualquer torcedor pergunte se o Galinho chegou a ser tricolor, é bom esclarecer: a torcida na verdade era pelo irmão. O saudoso Antunes, mais velho, também jogador - e dos bons -, atuava pela equipe rival na preliminar do jogo principal.
- Fui ver muitos Fla-Flus, e alguns até contra o Flamengo, porque o Antunes era do Fluminense. Uma vez, no jogo de aspirantes, eu fiquei no lado do Fluminense, e no profissional pulei para o do Flamengo. Dei a volta (risos). Sem querer, você se pega torcendo... Vai o Flamengo ao ataque e.... gol do Flamengo! Tu vai comemorar com a mão, já vem logo o grito. "O seu filho da p...!".
 
Nas outras vezes em que foi como torcedor - do Flamengo mesmo -, Zico vibrou e sofreu. Em 1963, ficou espremido no maior público da história de um clássico - 177.020 pagantes -, no 0 a 0 da final Carioca que deu o título aos rubro-negros. Em 1968, saiu na bronca com a arbitragem.
- Estava lá em 1963, naquele recorde de público de 177 mil. Ali eu estava no lado do Flamengo mesmo. Meu irmão, no juvenil. Eu ficava nas cadeiras, meu pai tinha duas. Estávamos eu, Edu e Tonico. Meu irmão mais velho foi jogado até sentar lá, de tão cheio que ficou o estádio. Como torcedor, foi meu Fla-Flu mais marcante. O empate era do Flamengo, o Fluminense pressionou mas saímos com o empate e o título. Mas teve também o do gol do Wilton, com a mão. Engraçado: quando eu ia para a arquibancada, ficava sempre bem atrás do gol, ali pelo lado da torcida do Flamengo. Lá em cima. Nesse dia, estávamos com outro grupo de amigos, batia muito sol, fomos mais para a quina, do lado do bandeira. Quando a bola foi lançada e o Wilton esticou a mão, tudo parou e ficou aquele silêncio. ..Ele seguiu com a jogada porque o Samarone insistiu com ele para continuar. O Wilton nem ia fazer o gol de tão escandaloso que foi o lance. Não é possível que o bandeira não tenha visto.
Os anos passaram. O torcedor virou jogador e entrou em campo. Seja nas arquibancadas, seja no campo, o Fla-Flu sempre teve um gosto especial para Zico. Não só por ter feito gols em períodos importantes, ainda que não tenham decidido campeonato. O clima que envolvia o clássico era sempre diferente.
- Em campo, minha história com Fla-Flu vem desde o juvenil. No Maracanã, joguei dois. Um foi 2 a 1 e eu marquei dois gols, e o outro foi 1 a 0 e eu fiz um gol. O Fla-Flu passou a ser o meu clássico preferido. Eu gostava de entrar em campo e olhar para a arquibancada, ver as cores. Era um grande espetáculo. Charme. Eu já tinha aquela imagem de você entrar lá no último andar nas cadeiras, aí ver aquela torcida vermelha e preta, e aquela verde, branca e grená... Era muito bonito, muito.. Não sei se pelo fato de, no caso de Flamengo e Fluminense, um veio do outro, a rivalidade não era tão forte. Com o Botafogo era maior. Fla-Flu era aquele charme. A própria imprensa fazia daquele jogo um espetáculo diferente. O Nelson Rodrigues. Eu o lia, claro. Nelson Rodrigues foi o primeiro a dizer que eu era o melhor jogador. Fui lá entregar a camisa pra ele. Muito bacana... Meu irmão jogou lá... Eu batia bola com o Carlos Alberto Torres com 10 anos de idade. Ia muito nas Laranjeiras. Vi lá Carlos Alberto, Gilson Nunes, Jorginho, aquele time campeão de 1964.
Zico Flamengo x Fluminense 1986 (Foto: Eurico Dantas / O Globo)
Zico faz, de peixinho, o primeiro dos três gols nos 4 a 1 sobre o Flu em 1986 (Foto: Eurico Dantas / O Globo)
 
No campo, show e muitos gols
O começo de Zico como profissional nos Fla-Flus não foi dos bons. Na única final que disputou, ainda tentando se firmar no time, saiu derrotado por 4 a 2. Foi em 1973. Depois, no Fla-Flu do troca-troca, quando os dois clubes estrearam os seis jogadores envolvidos, marcou quatro gols na vitória por 4 a 1 e ganhou a manchete de jornal: "Zicovardia." A despedida oficial com a camisa rubro-negra, em 1989, em Juiz de Fora, quando marcou de falta o primeiro gol na goleada por 5 a 0, também é lembrada com carinho.
 
Mas o jogo favorito de Zico contra o Fluminense, de atuação praticamente perfeita, foi a do seu reencontro com a torcida após se recuperar de cirurgia no joelho devido à entrada desleal do zagueiro do Bangu Márcio Nunes. Na estreia de Sócrates no Maracanã, em 16 de fevereiro de 1986, a torcida rubro-negra se deliciou foi com o momento inesquecível do Galinho. Os gritos de "bichado" da torcida tricolor acabaram sendo o "espinafre" naquela ocasião.
- Era o primeiro jogo do Campeonato Carioca de 1986. Foram três gols meus e um do Bebeto. Foi o único jogo do Sócrates comigo no Brasil. Nesse Fla-Flu do "bichado", tomei um susto. A torcida do Fluminense nunca tinha feito isso. Aí, quando eu entro em campo, começaram: "Bichado! Bichado! Bichado!"... Foi o Fla-Flu que eu mais joguei bola. Fiz tudo o que você possa imaginar. O coro do "bichado" me deu mais gana de ganhar. Dei passe de calcanhar entre as pernas do zagueiro. Dei passe de bicicleta... Eu quis fazer tudo... E dava tudo certo. Se você tenta um calcanhar e erra... Eu tentava e caía certinho no pé do outro cara. E fui fazendo os gols... Dois foram golaços.
Zico garante que não ficou magoado com os tricolores. Para o Galinho, a culpa foi dos próprios dirigentes rubro-negros.
- Não fiquei chateado com a torcida do Fluminense. Aquilo foi manchete de um ex-presidente do Flamengo. Ele botou: "O Zico tá bichado!" Foi o primeiro jogo depois disso..."Se o cara do Flamengo tá falando, vamos deitar...", pensaram os tricolores. Só que, quando deu 30 minutos do segundo tempo, o lado direito estava todo vazio. E eu não fui fazer um sinal para a torcida do Fluminense, não abri a boca para a torcida do Fluminense durante a entrevista, não falei nada. Sempre aceitei legal essas brincadeiras. Você vai lá, encaçapa um, dois, três, não tem coisa melhor...Tanto é que quando eu fazia gol, virava para a torcida do Flamengo. Não queria nem papo. Isso eu aprendi desde cedo, a não desrespeitar.
'Zicovardia' e a despedida
Dez anos antes de devolver com gols as provocações, Zico teve outra atuação de gala num Fla-Flu. Foi no jogo do troca-troca. O então presidente tricolor, Francisco Horta, que no ano anterior levara para as Laranjeiras Roberto Rivellino, resolveu agitar o futebol carioca. E propôs ao Flamengo, que aceitou, mandar o goleiro Roberto, o lateral Toninho e o ponta Zé Roberto em troca do goleiro Renato, o lateral Rodrigues Neto e o atacante Doval. Para promover a estreia dos seis jogadores, bolou a Taça Nelson Rodrigues. E o Flamengo, que levara desvantagem na negociação, goleou por 4 a 1 com quatro gols do Galinho. A manchete do "Jornal dos Sports" qiue fez sucesso na época fez jus à atuação: "Zicovardia".
 
- Aquele jogo do troca-troca, da Taça Nelson Rodrigues, também foi muito bom. Fiz os quatro gols e fui para a Seleção. No quarto gol, o Geraldo (meia habilidoso que morreu aos 22 anos em 1976 após ter sofrido choque anafilático numa operação de amígdalas) me deu um passe de letra.
Zico lembra que durante os duelos com a Máquina o Flamengo estava em formação. Pouco depois, foi criada a base que seria campeã de tudo, culminando com a conquista do Mundial Interclubes de 1981. Quando o time rubro-negro estava afiado, a Máquina já fora desfeita.
- Eu lembro de ter perdido um jogo só para eles, que foi um gol do Gil, 1 a 0, aquela jogada em que o Rivellino metia o lançamento e o Gil fazia o facão (houve outra derrota, por 2 a 1, em 1977). No mais, teve alguns jogos que ganhamos, era sempre pauleira enfrentar a Máquina. Nosso time era muito jovem, estava começando. Tanto que naquele período não ganhamos nada. Fomos campeões em 1974 e depois só em 1978. O Rivellino era demais. Quando eu o enfrentei no Corinthians, fiquei três dias com a marca da bola na perna. Ele chutava muito.
Na partida do troca-troca, Rivellino não jogou. E Zico aproveitou. O lance mais marcante para o Galinho foi de bola parada, uma de suas maiores especialidades.
- Nesse jogo fiz o meu gol mais bonito de falta. O Renato, que foi para o Flu, sabia como eu batia, treinava comigo. Aí, pela primeira vez, um goleiro armou a barreira ao contrário. Botou a barreira do lado oposto ao que eu ia bater e ficou de frente para mim. Então, eu tive que caprichar para meter a bola por fora lá na gaveta. Meti assim por cima (gesticulou), o Renato foi mas não conseguiu pegar. Ele me surpreendeu. Mas eu já treinava assim. A bola pegou direitinho, foi lá no ferro. Foi um pouco parecido com o último gol, no jogo em Juiz de Fora.
 
Longe da torcida rubro-negra, em Juiz de Fora, Zico fez o seu jogo oficial de despedida do Flamengo. Contra quem? O Fluminense, pelo Campeonato Brasileiro. Os dois estavam mal, por isso resolveram jogar fora do Rio. Mas o jogo, para a torcida rubro-negra, tornou-se inesquecível. E foi do Galinho o primeiro gol da partida - e último com a camisa do Flamengo - na goleada por 5 a 0. Na época, os tricolores pegaram no pé do goleiro Ricardo Pinto, que na saída se sentia honrado por ter levado o último gol do camisa 10 da Gávea.
- Não é que ele vibrou. O problema com o Ricardo Pinto foi o seguinte: sem mais nem menos, ele soltou na véspera que nunca tinha levado gol meu. Era totalmente desnecessário. Ninguém perguntou e ele foi falando: "Ah, eu nunca levei gol do Zico..." Pô, tinha um jogo ainda... Aí, o cara vai, toma o gol. Foi todo mundo em cima dele... Ficou meio perdido e aí soltou. "Ah, é uma honra...". Complicou mais. Esse jogo foi um jogo também que eu joguei pra caramba no período em que fiquei em campo. Em Fla-Flu eu tenho muitas histórias.

As lembranças continuam. Na derrota em 1973, na única final carioca que disputou com o Fluminense, Zico ainda tentava se firmar como titular com 20 anos. Zagallo, técnico na ocasião, optou por sua escalação como meia-direita. O Galinho lembra com detalhes até das alterações no segundo tempo para tentar mudar o resultado.
- Na frente estavam o Dario e o Sérgio Galocha, e o Vicentinho na ponta direita. Liminha e eu no meio-campo, Paulo Cezar na ponta esquerda. O primeiro tempo terminou 2 a 0 para o Flu. Aí ele tirou o Vicentinho, me botou para a ponta direita e o Paulo Cezar para o meio, entrando o Arílson na esquerda. Empatamos o jogo, mas tínhamos que ganhar para ter outro no domingo. Aí estava 2 a 2, uma pressão nossa no finalzinho do jogo. O Marco Antônio rebateu uma bola, e ela caiu no pé do Lula, que mandou pro Manfrini. Saíram o Renato, o goleiro, e o Fred, zagueiro. A bola parou numa poça d'água. Os dois furaram e se chocaram. A bola sobrou para o Manfrini, ele fez o gol. Pouco depois, o Dionísio fez um gol, 4 a 2, o Fluminense foi campeão. Foi numa quarta à noite, chovia muito - lamentou o Galinho.
Dez anos depois, Zico, já consagrado, deixava o Flamengo e ia para o futebol italiano. No seu período no Udinese, o rival cresceu. O Casal 20 formado por Washington e Assis, num time que tinha também Romerito e Delei, levou a melhor. Assis, inclusive, virou o carrasco rubro-negro por dois anos seguidos, em 1983 e 1984. Em 1985, Zico voltou. O time do Flu já não era o mesmo... As vitórias da equipe rubro-negra sobre o rival voltaram. Já no fim da entrevista, o atual técnico do Iraque, que neste domingo estará bem longe do clássico preferido, aproveitou para brincar com a rivalidade e os números.
- Eu sacaneio o Edinho até hoje dizendo que ele me levou para o Udinese para o Fluminense poder ser campeão naquela época - disse, com aquela risada de saudade dos bons tempos de Maracanã colorido de vermelho, preto, verde, branco e grená.

Nenhum comentário:

Postar um comentário