sábado, 13 de dezembro de 2014

Time de 1981 não foi fácil montar

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos.
Uma das discussões mais recorrentes e acaloradas costuma se erguer em torno da montagem de elenco, compra e venda de jogadores. Mas nem sempre receitas prontas são as que se aplicam de todo. Por exemplo, o supertime de 1981 foi o resultado de um trabalho duradouro e tal. Não sem turbulências, como quero mostrar no texto de hoje. Boa leitura.
Raul – Em permanente disputa de posição com Cantarele, não era raro figurar no banco de reservas. Com isso, aumentavam as vozes favoráveis à sua negociação, por conta de seu salário, idade e sua notória aversão aos treinamentos. No entanto, quanto maior a pressão sobre o goleiro, mais ele crescia em campo. Como no amistoso do início de 1980 contra o São Paulo no Morumbi, onde fechou o gol, foi o melhor em campo e responsável pelo 0-0, recuperando a posição de titular e riscando seu nome da lista de dispensáveis. Mais tarde, no final do ano, entrou em negociação com o Grêmio, mas novamente fechou o gol em um amistoso contra os próprios gremistas (0-0, entrega de faixas aos gaúchos) e o Flamengo desistiu de negociá-lo. Em meados de 1981 (justo na época do jogo contra o Atlético-MG no Serra Dourada), seu contrato venceu e Raul manifestou a intenção de sair do clube, irritado com as queixas de Cantarele com a reserva. A muito custo, a diretoria do Flamengo o convenceu a renovar o contrato e seguir atuando na Gávea.
Leandro – Sem espaço no início de 1980, pois o Flamengo contava com Toninho e Carlos Alberto para a posição, foi negociado com o Internacional para disputar o Brasileiro pelo colorado. Mas acabou reprovado nos exames médicos (problema no joelho), e devolvido à Gávea. Nem mesmo a venda de Toninho, no segundo semestre, melhorou seu status, pois o Flamengo efetivou Carlos Alberto e trouxe Gilson Paulino, depois Nei Dias (após fracassar a contratação de Mauro, do Grêmio). No entanto, ainda em 1980, uma atuação em um Fla-Flu pelo Estadual, praticamente em seu jogo de estreia (foi o melhor em campo), assombrou a comissão técnica, que percebeu estar diante de um jogador diferenciado. A partida de Leandro nesse Fla-Flu (que terminou empatado, 2-2) foi tão deslumbrante que o jogador não saiu mais do time e passou a ser um de seus titulares absolutos.
Marinho – Chegou ao Flamengo no início de 1980, trazido do Londrina-PR. Titular no Brasileiro, perdeu a posição com a contratação de Luís Pereira para o Estadual. Sem espaço, chegou a ter sua venda acertada com o Los Angeles Aztecs-EUA (time dirigido por Coutinho) no início de 1981, mas não acertou as bases salariais e acabou retornando ao Flamengo. Recuperou a posição e consolidou-se de vez com a saída de Luís Pereira (trocado com o Palmeiras por Baroninho) após o fiasco no Brasileiro.
Mozer – O titular da Seleção Brasileira de Novos (algo como uma seleção olímpica) campeã do antigamente célebre Torneio de Toulon era uma joia preparada para o futuro, lançado aos poucos no time. Na zaga titular, após a saída de Luís Pereira, o experiente Rondinelli voltou a reinar, repetindo a dupla campeã brasileira com Marinho. No entanto, uma séria contusão do “Deus da Raça” num jogo contra o Cerro Porteño em Assunção, já no final da primeira fase da Libertadores, fez com que Mozer fosse efetivado meio “na fogueira”, às voltas com jogos difíceis e pesados (Olimpia em Assunção e Atlético-MG no Serra Dourada). Foi tão bem que seguiu titular, mesmo com a recuperação de Rondinelli (que, sem espaço, acabaria sendo negociado com o Corinthians ainda em 1981).
Júnior – Salvo uma renovação de contrato meio atribulada no início de 1981, jamais teve ameçada sua condição de titular ou de jogador do Flamengo. Era considerado um dos principais jogadores e líderes do elenco.
Andrade – Foi o principal beneficiado pela aposentadoria precoce de Carpegiani, herdando seu lugar no time (que revezava com Adílio ou Tita). Mesmo tendo o ótimo Vítor (que curiosamente era convocado para a seleção brasileira) na reserva, Andrade rapidamente se tornou o ponto de equilíbrio do meio-campo e um dos jogadores essenciais da equipe.
Adílio – Talvez, do time titular, o mais ameaçado de sair da Gávea em 1981. Logo no início do ano, chegou a ser afastado e negociado (também) com o Los Angeles Aztecs, indicado por Coutinho, mas, a exemplo de Marinho, não acertou o salário e o negócio foi desfeito. Durante o Brasileiro, desentendeu-se várias vezes com Dino Sani, que o queria atuando pela ponta-esquerda, posição que não aceitava, e com isso acabou barrado. Com notórias desavenças com o presidente Dunshee de Abranches (que tinha várias restrições ao seu futebol), foi novamente afastado do elenco e colocado à venda ao final do Brasileiro, tachado como um dos “bodes expiatórios” da eliminação para o Botafogo, mas o alto preço do passe afastou eventuais compradores. Nesse período, o contrato venceu e sua renovação, uma verdadeira “novela”, arrastou-se por várias semanas. Enfim de contrato novo, reapareceu na equipe em uma partida contra o Americano, no Maracanã, já pela Taça Guanabara. Uma atuação exuberante na goleada por 7-0 devolveu-lhe a vaga no time. E no meio-campo.
Zico – Também esteve por um fio. Seu contrato venceu em maio de 1981. Já consagrado e cada vez mais consolidado como o melhor jogador do país (realidade já admitida mesmo em centros mais renitentes, como SP e RS), e tendo plena noção disso, o Galinho não abriu mão de um salário compatível com seu significado para o Flamengo, cifras que o faziam o jogador mais bem remunerado no futebol brasileiro. Num contexto em que o êxodo de craques para o exterior começava a ganhar corpo (Dirceu e Falcão haviam saído, e Edinho estava a caminho), a negociação do Flamengo com Zico foi árdua, duríssima e durou meses. Representantes de Roma, Barcelona e principalmente do Milan (que chegou a mandar seu presidente ao Brasil) estiveram a ponto de contratar o craque, que não foi para Milão porque no momento-chave o rossonero apresentou uma proposta oficial inferior à anteriormente anunciada (2,8 milhões contra 5 milhões de dólares). O assunto na época levantou tanta polêmica que alguns conselheiros do Flamengo chegavam a comentar “esse rapaz vai quebrar o Flamengo. Tem que vender, vende logo, vende correndo, mesmo pelos 2,8 milhões. Aliás, ele nem é isso tudo.” No final, o contrato foi renovado (nos valores pedidos pelo craque) e, como se sabe, Zico seguiu sendo fundamental. Sendo “isso tudo”.
Tita – Mais uma permanência controvertida. No primeiro semestre de 1981, Tita resolveu, de uma vez, colocar ponto final a uma antiga angústia. Decidiu não atuar mais improvisado na ponta-direita, nem que isso significasse a reserva de Zico ou, como preferia, sair do Flamengo. Ao retornar da Seleção (onde também deixou claro a Telê que não jogaria mais improvisado, o que custou sua ida ao Mundial e, para muitos, o tetra), comunicou a Dino Sani sua decisão. Dino, no entanto, que admirava seu futebol, manteve o jogador no meio, deslocando Adílio para a ponta (o que causou outro problema, como mostrado mais acima). Ao final do Brasileiro, Tita pediu para ser negociado, chegou a ser multado e afastado e o Flamengo o negociou com a Portuguesa, mas Dunshee desistiu da transação por desconfiar que por trás do interesse da Lusa estava o Vasco. Somente com a efetivação de Carpegiani no comando técnico, Tita aceitou atuar fora de sua posição original e, com seu futebol diferenciado, fazer parte da equipe titular. Atuando na direita, na esquerda e até no meio.
Nunes – Um dos jogadores mais polêmicos do elenco, por conta de seu temperamento, só permaneceu na Gávea no início de 1981 porque Coutinho (com quem rompera definitivamente) se transferiu para o exterior. Mas também teve problemas com Modesto Bria, a ponto de dar uma entrevista polêmica à Revista Placar dizendo-se “perseguido” por uma hipotética “panela”, e querendo sair do clube, o que quase aconteceu (o Internacional chegou a sondar). Com a chegada de Dino Sani (com quem conviveu bem) seu futebol voltou a crescer e se tornar goleador, condição mantida com Carpegiani, apesar de algumas rusgas menores (o rompimento aconteceria somente em 1982).
Lico – O mais improvável dos titulares, foi contratado em 1980, vindo do Joinville, quase como um contrapeso, permanecendo encostado durante toda a temporada. Chegou a ser emprestado ao clube catarinense no primeiro semestre de 1981, voltou ao Flamengo, seu contrato venceu e o clube não o procurou. Preterido mesmo por juniores, esteve a ponto de sair pela porta dos fundos, até que Carpegiani, já treinador, resolveu aproveitar de alguma forma sua experiência na Libertadores. Sua atuação na Bolívia contra o Wilstermann (entrou no meio do jogo e fez o Flamengo dominar uma partida em que vinha perdendo o controle) e, principalmente, contra o Campo Grande, pelo Terceiro Turno do Estadual em Ítalo del Cima (o Flamengo perdia, ele entrou, fez gol de bicicleta e foi o melhor em campo na vitória de virada), fizeram Lico ser reintegrado. “Precisamos conversar sobre aquele contrato”. O recado de um dirigente flamengo foi a senha.
Boa semana a todos,

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