quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Nas curvas da bola, Oscar Niemeyer deu 'pontapé inicial' para os esportes


Oscar Niemeyer e Marcio Braga, Flamengo (Foto: Divulgação)
Márcio Braga, então presidente do Fla em 2007, homenageia Oscar Niemeyer com camisa personalizada pelo centenário do arquiteto rubro-negro. 'Ele ficou feliz e me honrou com sua simpetia', diz (Foto: Divulgação)

De uma coisa quase todo mundo sabe. O fascínio pelas curvas das montanhas, das ondas do mar, do curso dos rios, dos corpos das mulheres e tudo de belo que via no país influenciava, e muito, os traços de Oscar Niemeyer, morto nesta terça-feira, aos 104 anos. O arquiteto carioca, com mais de 150 obras espalhadas pelo mundo inteiro - entre monumentos, palácios, igrejas e edifícios -, pouco falava de sua infância. Mas naquele período surgiu uma das primeiras curvas que despertaram sua atenção. As curvas de uma bola. Sim. Antes de encontrar a real vocação e se tornar também comunista, ateu e uma das grandes personalidade do planeta, o então menino foi mordido pelo "bichinho" do futebol que apaixona milhões até hoje.
 
Aconteceu nos tempos em que morava nas Laranjeiras e aprontava na escola. Fim dos anos 1910. Mais precisamente, 1918. Com 11 anos, com uma bolinha de tênis - isso mesmo -, o garoto, que jogava pelada nas ruas íngremes de paralelepípedos do bairro da Zona Sul, acabou levado pelo tio para o Fluminense. Atacante, já com a "pelota" original, disputou umas três partidas pelo infantil. Pouco depois, quase parou no Flamengo, a convite de um amigo seu de colégio que depois se tornaria um dos maiores goleiros da história do clube: Amado Benigno. A história, contada pelo próprio Niemeyer, foi publicada no livro "As grandes entrevistas do Milênio", do programa de TV de mesmo nome na Globonews.
Para o bem da humanidade, Oscar trocou a bola pelo esquadro. Mas num Fla-Flu de emoções - entremeado por fugaz romance alvinegro - começou a relação com os esportes que durou ao longo dos 104 anos. Passou por aulas de jiu-jítsu com Hélio Gracie - isso mesmo -, projeto para o Maracanã perdedor em 1941, troféu de Fórmula 1 - que Felipe Massa levantou - e um monumento para o museu do Rei do Futebol, Pelé, cuja obra ainda não está concluída.
Torcedor
No período em que esteve internado no Hospital Samaritano, em Botafogo, até pouco antes de sua morte, Oscar Niemeyer se distraiu diante da TV assistindo a partidas de futebol. Mesmo sem ser fanático, o arquiteto gostava do esporte. Quando garoto, foi tricolor. Depois, influenciado pelos amigos, trocou duas vezes de time. Primeiro, pelo jornalista-treinador e militante de esquerda João Saldanha, com quem aprendeu também a driblar a ditadura militar. Virou torcedor do Botafogo. Por último, surgiu o Flamengo, muito também por causa de um fanático primo. O produtor de cinema Carlinhos Niemeyer acabou conhecido como o criador, nos anos 1960, do famoso programa "Canal 100", que abria as sessões com uma filmagem inovadora na época: dentro de campo, a câmera lenta especial registrava os mais bonitos lances das partidas.
- O futebol é um jogo que cria tantas surpresas... A bola não vai reta para o gol, tem aquele arranjo todo, aquela troca de passes... E o Brasil tem os melhores jogadores do mundo. É um esporte apaixonante - disse, em entrevista em 2006 dada ao programa da TV Globo "Esporte Espetacular".
Maracanã e Wembley
Era a arte pela arte na qual Oscar tanto se inspirou e foi inspirador. Poucos sabem, por exemplo, que o autor do Sambódromo participou do concurso para escolha do projeto para construção do Maracanã, em 1941. O arquiteto foi um dos três finalistas. E sentiu o gosto da derrota. Mas não ficou triste. Em depoimento para o livro "As grandes entrevistas do Milênio" (2009), mostrou até um certo alívio. E explicou o porquê.
Wembley 2006 (Foto: Getty Images)Segundo jornal inglês, estádio novo de Wembley seria inspirado no projeto apresentado em 1941 por Oscar Nimeyer para a construção do Maracanã,. Arquiteto achou apenas uma coincidência (Foto: Getty Images)
- O meu estádio seria pior. Naquele tempo, a idéia que tínhamos de arquitetura em relação a estádio de futebol era fazer uma única arquibancada do lado em que o sol não batesse na cara do espectador. Depois, ao começar a frequentar estádios, vi como era importante existir arquibancada também do outro lado. O sujeito vê o campo, vê o jogo, mas precisa ver também a alegria do estádio. Então, um estádio circular, como o Maracanã, é a solução melhor. Passaram-se alguns anos, eu estava na casa de Maria Martins, em Petrópolis, quando chegou Getúlio Vargas, a quem eu nunca tinha encontrado. Getúlio olhou para mim e disse : ”Se eu tivesse ficado no governo, teria feito o seu estádio” .Tive vontade de dizer: “Era ruim. O outro projeto era melhor!”
Curioso é que, muito tempo depois, em 2005, o projeto de 1941 gerou polêmica em Londres. Segundo o jornal “Evening Standard”, o novo estádio de Wembley, reinaugurado em 2007, seria parecido com o do Maracanã de Niemeyer. Além de os dois serem ovais, a principal semelhança era o arco ligado ao teto por cabos de metal que ajudam na sustentação. Mas há diferenças: o de Wembley, criado pela empresa Foster and Partners, tinha 315 metros, 15 a mais que o do arquiteto brasileiro. E tem arquibancada dos dois lados. Para pôr fim às especulações, o próprio Niemeyer deu de ombros e considerou o fato apenas "uma coincidência".
Projetos no Fla
Outro projeto de Niemeyer que não vingou foi o feito para o CT do Flamengo em Vargem Grande. Em um de seus mandatos como presidente do Flamengo - mais precisamente, no ano de 2005 -, Márcio Braga fez o convite ao arquiteto, que chegou a se entusiasmar.
- Iniciamos as discussões. Ele chegou a fazer um esboço do que achava melhor. Mas não condizia com a necessidade do Flamengo naquele momento. Tinha a genialidade e a simplicidade do Niemeyer. Mas ele colocou, por exemplo, um educandário na parte que abrigaria os profissionais. Nada contra o educandário, mas seria melhor apenas na área para as divisões de base. O problema é que ele não queria mexer no projeto. Era aquilo ou não era aquilo. Aí, acabou não acontecendo. Ficou inviável para nós.
 
Em 2007, Márcio Braga também convidou o arquiteto para fazer um monumento para a torcida do Flamengo assim que o prefeito Cesar Maia a decretou o tombamento como Patrimônio Cultural da Cidade do Rio de Janeiro.
- A ideia era que ele fizesse ali na beira da Lagoa, perto da estátua do Buck (técnico multicampeão de remo pelo clube). Naquele local não atrapalharia o visual nem nada. Mas acabou não acontecendo.
No fim de 2007, o dirigente voltou a se encontrar com o arquiteto por conta da homenagem que o clube lhe fez quando completou o centenário. Márcio entregou camisa personalizada com o número 100 e o nome do arquiteto inscrito. As recordações de Márcio são boas.
- Lembro bem que ele ficou bastante feliz com a homenagem e me honrou muito com a sua simpatia. Jamais vou esquecer - afirmou o ex-presidente rubro-negro.
Pele e Niemeyer, Museu Pele (Foto: Agência EFE)
Pelé e Oscar Niemeyer juntos no lançamento do projeto para o museu em Santos em homenagem ao Rei do Futebol: elogios mútuos no encontro de dois brasileiros reconhecidos no mundo inteiro (Foto: Agência EFE)
Do jiu-jítsu à F-1 e ao museu para Pelé
Simpatia era, aliás, um dos traços de Oscar Niemeyer, que, acreditem. gostava também de jiu-jítsu e foi aluno do saudoso grande mestre do esporte Hélio Gracie.
- Gostava muito do ambiente de lá. E era bom para fazer um pouco de exercício. Eles eram muito engraçados. Lembro que um dia fui encontrar o Hélio Gracie na casa dele em Teresópolis. Quando cheguei lá, estava trepado numa árvore. Ele achava que trepar na árvore e descer era um bom exercício. O grupo lá era muito bom, fraternal. As aulas eram divertidas. Toda garotada devia fazer um pouco de jiu-jítsu. O meu neto já está fazendo isso - disse certa vez o arquiteto ao programa "Sensei TV", do SporTV.
Massa, GP Brasil 2008 (Foto: Agência AFP)
Felipe Massa levanta troféu feito por arquiteto para
vencedor do GP Brasil 2008 (Foto: Agência AFP)
Não foi só o jiu-jítsu o esporte, além do futebol, com o qual Oscar Niemeyer teve ligação. Na temporada de 2008 da Fórmula 1, o arquiteto desenhou o troféu do vencedor do GP do Brasil, disputado no autódromo de Interlagos. E a taça parou nas mãos de um brasileiro. O piloto da Ferrari, Felipe Massa, teve a honra de levantá-la e assim poder exibir os velhos e inconfundíveis traços curvilíneos do arquiteto, inspirados no Palácio da Alvorada que construiu junto com toda a Brasília.
Segundo a organização da prova na época, o arquiteto não cobrou um tostão pelo troféu. Mas a empresa responsável pela produção decidiu doar verba à Fundação Oscar Niemeyer. Feliz com o resultado da obra, pela primeira vez feita em plástico verde, ele explicou o que contou no processo criativo.
- A arquitetura segue o caminho de uma obra de arte, e o que caracteriza uma obra de arte é a emoção, a surpresa. A coluna do Palácio da Alvorada é um dos símbolos da arquitetura de Brasília. Poderíamos ter feito num formato qualquer, retangular, reto, sem nenhuma complexidade. Mas optamos por usar uma forma de coluna que nunca foi feita igual - disse Oscar, na ocasião, por meio da assessoria de imprensa.
Mas faltava um monumento para museu. De quem? Do Rei Pelé. Fã também de Maradona, não só pelo futebol mas também pelo fato de o ídolo argentino ter até hoje fortes ligações com o ex-presidente de Cuba Fidel Castro, grande condutor da revolução que levou o país ao comunismo, Oscar Niemeyer jamais escondeu a admiração pelo brasileiro. E, nas curvas da estrada de Santos, traçou o caminho que o levaria para sua obra final ligada ao futebol.
Com orçamento de R$ 20 milhões, o museu, que terá mais de 3.000 peças relacionadas a Pelé, ainda não está concluído em Santos, cidade onde o menino Dico começou a exibir sua arte para conquistar o mundo e virar Rei. Na comemoração do homem de 1.281 gols e muitos e muitos títulos surgiu a inspiração do arquiteto para mais uma jogada antológica: o pulo do craque após a glória triunfal, o braço erguido para o soco no ar como símbolo do monumento a ser erguido em frente ao museu.
- Ele é o jogador de todas as gerações e merece várias homenagens. Ninguém vai esquecer do Pelé. É uma figura fantástica. Esperto, sabia conduzir e se defender, né? Levava muito pontapé - disse Oscar Niemeyer, em novembro de 2010, passando a bola para o Rei.
Na tabelinha dos sonhos de uma arte genuinamente verde-amarela, Pelé, com o mesmo toque de classe, devolveu a Oscar a velha bola por quem um dia o criador de Brasília ao lado de Lucio Costa se apaixonou quando criança. E uma frase do maior jogador de todos os tempos resume como poucas as bem traçadas curvas dos 104 anos bem vividos pelo poeta da arquitetura. Curvas que seguem inspirando até os pôsteres da Copa 2014 de cidades como Belo Horizonte - baseado na Igreja de Sao Francisco de Assis, da Pampulha - e Brasilia - inspirado na Catedral.
- Um dia vieram me dizer que o Niemeyer é o Pelé da arquitetura. Nada disso. Eu é que sou o Niemeyer do futebol. Palavras do Rei.

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