Foto: Alexandre Vidal/Flamengo |
Eu comecei a gostar de futebol porque gostava do Flamengo.
Quando penso nesse clube, a primeira coisa que me vem à cabeça não é o tempo em que joguei bola. A memória mais forte sempre será quando, ainda na época de torcedor, eu ia ao Maracanã com o meu pai. Ele saía cedo, fazia feira e eu, apreensivo sem saber se teríamos ou não uma carona até o estádio, esperava seu retorno, enquanto minha mãe servia o almoço de domingo.
Fui, sou e sempre serei parte da Nação Rubro-Negra com todo o meu coração. Assim como você que lê essa despedida agora, eu também sofria muito e vivia intensamente Flamengo na minha época de arquibancada - emoções que tiveram que se adaptar durante a vida de jogador. Essa torcida é única. Minha ligação com tudo isso é muito forte.
Eu era bem novo quando joguei minha primeira partida como profissional. Aos 17 anos, é difícil associar tudo que está acontecendo quando milhares de pessoas reagem ao que você está fazendo dentro das quatro linhas. Tudo aconteceu muito rápido. É uma sensação singular. Em questão de dias você passa de torcedor para jogador.
Nesse momento, lembrei daquele garoto de 11 ou 12 anos que fez um teste na escolinha do Flamengo e conseguiu entrar nas categorias de base. Eu ainda não tinha muita noção do que estava prestes a acontecer, a ficha só caiu quando comecei a jogar pelo clube de fato.
Sempre digo que meu pai me passou a paixão pelo futebol, mas minha mãe foi quem me ajudou a me tornar um profissional. Meu pai me fez torcedor. Minha mãe me fez jogador. Ela me levava aos treinos, jogos, perto ou longe. Minha mãe foi minha grande companheira na busca por esse sonho.
Nunca nada me fez pensar em desistir.
Dona Val e seu Roberto me deram uma irmã, mas o Flamengo me deu vários grandes irmãos. Um deles foi o Julio Cesar. Minha relação com ele começou no futebol de salão do Grajaú Country Clube. Várias vezes a gente jogava futsal de manhã e depois íamos para o Maracanã juntos ver nosso time à tarde. Eu incentivei muito o Julio a fazer um teste aqui. As pessoas da minha categoria, de 1979, têm uma relação bem legal até hoje. Construí uma amizade grande com Reinaldo, Athirson, Bruno Quadros…
Voltar para o Flamengo, a minha casa, foi uma coisa que sempre desejei, alimentei e trabalhei muito para que acontecesse enquanto ainda tivesse condições de jogar em alto nível. Algumas coisas acontecem na vida e saem do seu controle. Aconteceu comigo. Mas na primeira oportunidade concreta que tive de voltar eu vim. Queria encerrar a carreira aqui. Eu estava no Internacional, disputando a Libertadores ainda, e abriu-se uma possibilidade de voltar porque ficaria sem contrato no final do ano. Era um sonho meu. Conversamos logo depois do Campeonato Brasileiro e deu tudo certo.
Não foi de uma hora para outra. Venho pensando em encerrar minha carreira desde o ano passado. Do momento em que voltei ao Flamengo até agora, vivi ano após ano, refletindo sobre o que tinha feito e decidindo se iria continuar. Em 2018 foi mais difícil, os problemas físicos aumentaram e foram somados aos psicológicos. A cada lesão, eu tinha que ter mais força para voltar e recomeçar. Eu me cobro muito e as pessoas esperam muito de mim.
Até que eu decidi que pararia no fim do ano passado. Mas me machuquei novamente e começaram a me pedir para continuar, que ao menos voltasse para encerrar a carreira jogando. Então fiz esse esforço a mais, mas já com a convicção de que iria parar depois do Estadual.
Meus companheiros de time são os que pedem mais para eu ficar. Eles acreditam muito em mim. Foi a realização de um sonho. Mas realmente chegou a hora. Infelizmente chegou a hora.
Minha família me apoia, mas Monick e os meninos ficam chateados às vezes, não se sentem 100% certos de que eu tenho que parar. De toda forma, eles acompanham meu sacrifício diário e sabem de todo esforço que faço para jogar, que essa rotina é muito dura e desgastante. Estarão todos hoje à noite comigo. Como estiveram sempre. E agora estarão mais do que nunca, já que o futebol vai deixar um grande espaço na minha vida. No domingo, vou acordar sem ser jogador, sem treino para ir. Acho que a primeira semana de um ex-atleta é a melhor do mundo, quando você faz tudo que tem vontade. Mas, me conhecendo bem, tenho certeza de que nas seguintes já estarei agoniado de saudade.
Procuro não pensar no fim, mas não consigo. Venho dormindo mal, comendo mal, sentindo que a contagem regressiva está acabando. Vai ser o jogo mais difícil da minha vida. E, com certeza, uma noite especial.
Rodei o mundo e vi de perto grandes times. Jamais encontrei torcida como a nossa. Na dificuldade ou na felicidade, estamos sempre lá, sempre juntos. Agradeço a cada um de vocês por todo carinho que tiveram por mim. Me desculpem se nem sempre eu sorri quando vocês cantaram meu nome. Estou muito concentrado quando entro em campo e sempre fui tímido assim, mas quem me conhece diz que melhorei muito. Prometo que foi uma felicidade enorme ouvi-los. Eu realmente nunca imaginei que pudesse chegar a esse nível. Vou carregar vocês para sempre no meu coração.
Hoje milhares de rubro-negros vão ao estádio ver minha despedida com o Manto Sagrado. Essa sempre será a primeira coisa que virá à minha cabeça quando pensar em Flamengo: ir ao Maracanã ver meu time jogar.
Hoje, pela última vez, entro em campo para jogar para vocês.
Com amor,
Juan Silveira dos Santos.
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