Foto Agência Reuters |
Por Tébaro Schmidt
Com a saída de Abel Braga, Jorge Jesus é o grande favorito para assumir o Flamengo - o que seria a primeira aventura do português no Brasil. Aos 64 anos, a um mês de completar 65, ele está sem clube desde que se desligou do Al Hilal, da Arábia Saudita, em fevereiro deste ano.
Embora as conversas só tenham ganhado corpo mais recentemente, quando Marcos Braz e Bruno Spindel viajaram para a Europa com o objetivo de garimpar reforços, pode-se dizer que Jorge Jesus entrou no radar do Flamengo desde o último dia 18, depois do duelo contra o Atlético-MG. Jogo em que os comandados de Abel voltaram de Belo Horizonte com uma derrota de 2 a 1, ainda que tivessem atuado durante o segundo tempo inteiro com um a mais em campo.
- Neste momento, estou em Portugal. Não tenho conhecimento de nada. Pelo contrário, estou a falar com alguns clubes. Não tem nada a ver com o clube que você está falando, no caso o Flamengo - disse o português em conversa com Maurício Noriega, comentarista do SporTV.
Por ter feito a maior parte da carreira em Portugal, é natural que haja quem não o conheça. Pois é importante saber antes de mais nada que os inúmeros títulos nacionais conquistados na última década, dentre os quais o tricampeonato português com o Benfica, e as boas campanhas em competições europeias (tem duas finais de Liga Europa no currículo) foram o que colocou Jorge Jesus na vitrine. Fã de Johan Cruyff, ele defende um estilo baseado sobretudo na posse de bola e é apontado como o homem que guiou os Encarnados de volta aos trilhos.
Mas a história do técnico que está de malas prontas rumo ao Brasil começou bem antes.
Jorge Jesus foi jogador, embora nem sequer tenha se aproximado do prestígio que tem hoje como técnico. Nascido em Amadora, mostrava do lado direito do meio de campo um talento moderado, o suficiente para fazer a carreira durar por 17 anos - tendo sido nove deles na Primeira Divisão. Defendeu principalmente o Estrela da Amadora, da cidade-natal; e o Sporting, que era o clube do pai.
Pendurou as chuteiras aos 35 anos para imediatamente tornar-se treinador. E, em pouco tempo, tomou gosto por fazer suas equipes conquistarem acessos. Foram cinco nos primeiros anos de terno e gravata à beira do campo.
1x pelo Amora - da 4ª para a 3ª Divisão
2x pelo Felgueiras - da 3ª Divisão à 2ª Divisão; e da 2ª Divisão à Primeira Liga
1x pelo Vitória de Setúbal - da 2ª Divisão à Primeira Liga
1x pelo Estrela da Amadora - da 2ª Divisão à Primeira Liga
No Felgueiras, conseguiu atrair holofotes. Foi sob o comando dele, por exemplo, que o clube ganhou o direito de jogar a elite do futebol português pela primeira vez em sua história. Em 1995.
Acontece que, antes do início daquela temporada, Jesus foi à Barcelona vivenciar uma espécie de estágio com ninguém menos que Johan Cruyff. E voltou para a Terrinha com a mente fervilhando de ideias, ansioso para colocar em prática os conceitos que aprendera. Foi dessa maneira que o Felgueiras surpreendeu na primeira metade do Campeonato Português.
"Ele era um apaixonado pelo Cruyff e pelo futebol do Barcelona. Então, todo o trabalho era feito na lógica do Barcelona. Os nomes dos jogadores do Barça eram apresentados e substituídos pelos nossos", recordou certa vez o goleiro Avelino ao "Mais Futebol".
- No início, rimos daquilo, tenho de admitir. Mas a verdade é que jogávamos muita bola, e ele é que tinha razão - completou.
No segundo turno do campeonato, com os adversários vacinados contra a tática, o Felgueiras engatou uma série de derrotas e não conseguiu evitar o rebaixamento.
As coisas tomaram um novo rumo na vida de Jorge Jesus somente a partir de 2005, quando ele assumiu o União Leiria e passou a enfileirar boas campanhas na elite. Com o clube de Leiria, foi sétimo na primeira temporada; em seguida, no comando do Belenenses, terminou em quinto - e ainda chegou à final da Taça de Portugal, mas perdeu para o Sporting; logo depois, já no Braga, mais uma quinta posição, dessa vez somada a uma classificação às oitavas de final da Liga Europa.
Em junho de 2009, transferiu-se para o Benfica.
Nos Encarnados, é amado e odiado
Não é exagero afirmar que Jorge Jesus é um dos maiores treinadores da história do Benfica. No entanto, com o passado ligado diretamente ao Sporting, precisou driblar a desconfiança com seu perfil um tanto quanto inflexível - no Belenenses, existe o relato de que ele certa vez interrompeu o ensaio de um artista próximo ao centro de treinamento para não atrapalhar os jogadores e, só depois, descobriu que tratava-se do rapper americano 50 Cent. Mas o jeitão em nada ajudaria não fossem as conquistas.
O treinador chegou aos Encarnados no período em que o Porto dava as cartas no futebol português: àquela altura, era o atual tetracampeão nacional. Com jogadores como Luisão, Di María, Aimar, Saviola e Alan Kardec, sofreu apenas duas derrotas durante o campeonato inteiro e encerrou a hegemonia do rival com um título logo na sua primeira temporada.
A postura falastrona de quem fala o que der na telha, que em muito se confunde com a de José Mourinho, sempre rendeu aspas marcantes. Aí vão algumas delas:
"Os árbitros têm de ser mais práticos e menos teóricos. Têm de ler menos livros e perceber mais de futebol." (2010)
"(Treinar) o Porto? Quem chega ao topo não quer andar para trás." (2011)
"O que era o Benfica antes de mim?" (2012)
"Acho que sou o melhor treinador do mundo, mas isso só vou poder justificar quando ganhar a Champions." (2014)
Nos três anos seguinte, no entanto, o Porto retomou o caminho das vitórias e faturou a liga. Em 2013, com o fatídico gol do brasileiro Kelvin (ex-São Paulo e Vasco) no último lance na vitória do Porto por 2 a 1 sobre o Benfica na penúltima rodada do campeonato, que levou Jorge Jesus a ajoelhar-se tamanha a incredulidade. Os benfiquistas ficaram com o vice-campeonato com um ponto atrás.
Nesse meio tempo, as campanhas continentais foram o que deram moral para o treinador - e talvez o que o tenha segurado no cargo. Alcançou, por exemplo, as quartas de final da Liga dos Campeões em 2012 e foi à final da Liga Europa em 2013. Curiosamente, o Chelsea tirou o Benfica do caminho em ambas as ocasiões.
De contrato renovado, Jorge Jesus pavimentou a estrada rumo à glória a partir da temporada 2013/14. Quando engatou um número considerável de vitórias, profetizou: "O meu conhecimento e sensibilidade dizem-me que o Benfica está próximo de ter a hegemonia do futebol português". E não deu outra. Os Encarnados voltaram a conquistar o Campeonato Português naquele ano sob a batuta do treinador, que, por sua vez, estabeleceu uma porção de recordes, como o de equipe com o maior número de partidas consecutivas sem sofrer gols em casa (918 minutos). Chegou ainda a mais uma final da Liga Europa, dessa vez sendo derrotado pelo Sevilla nos pênaltis.
No ano seguinte, faturou o bicampeonato português, o que não acontecia com o Benfica fazia três décadas. Tornou-se o treinador mais longevo no comando do time (seis temporadas), o com mais vitórias (225) e mais títulos (10). Só que, em junho de 2015, acertou com o Sporting. Era mais fácil ter apunhalado o coração do torcedor encarnado.
Jorge imediatamente passou a ser tratado como traidor: virou Judas ao invés de Jesus. No Sporting, respaldado pelo tricampeonato português que trazia na bagagem, o treinador se apresentou com a moral nas nuvens.
- Quando fomos para a África do Sul, na nossa pré-temporada, lembro de ter visto os jogadores viajarem de voo comercial. Naquele momento disse logo: "Quem quer ser campeão não pode viajar num voo comercial", pois isso acarreta várias questões do ponto de vista profissional. A partir daí, expliquei ao presidente e nunca mais fomos em voos comerciais - recordou ele.
"Para ser campeão, é preciso muita coisa", concluiu.
Mas o consolo dos benfiquistas talvez tenha sido o fato de que a passagem do treinador no lado verde de Lisboa não foi tão duradoura, tampouco vencedora. Foram quase três temporadas sem grande brilho - o título da Taça da Liga de Portugal foi o único relevante alcançado pela equipe. Enquanto isso, o Benfica cumpriu sua profecia e tornou-se tetracampeão - ainda que odiado pela traição, Jorge Jesus é apontado como o responsável pelo início dessa hegemonia.
Em junho de 2018, anunciou sua saída para, logo em seguida, assinar com o Al Hilal da Arábia Saudita. A experiência árabe foi mais curta ainda. Para não dizer que de mãos abanando, voltou para Portugal com a conquista da Supercopa na mala. Tudo indica que o próximo passo na carreira do treinador será o Brasil, o que, para ele, seria "um sonho".
- Eu sei que nós treinadores estamos sempre na corda bamba. Eu costumo dizer que nunca abro minha mala quando vou para um clube, ela fica ali do meu lado. De um domingo para outro, tu vais - disse ele recentemente, durante um tour no Brasil, em entrevista ao "SporTV".
- É um sonho que eu tenho (de treinar no Brasil). Não sei quando, mas é um sonho que eu tenho.
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